Opinião

O compliance regulatório no Direito Ambiental

Autores

  • Paulo Samico

    é advogado de contencioso estratégico cível e regulatório pós-graduado em Direito Processual Civil e presta suporte jurídico para o planejamento estratégico corporativo.

  • Letícia Herdy Nicolau

    é advogada de consultivo de operações e contratos e presta suporte jurídico ambiental corporativo. Pós-graduada em Direito Corporativo e compliance.

22 de maio de 2020, 6h02

Ostentar apropriadas licenças ambientais e elaborar complexos relatórios de auditoria pode não ser o bastante para atestar a capacidade de uma empresa em ser produtiva e, ao mesmo tempo, ambientalmente responsável. Isso significa dizer que além dos documentos que atestam o compliance regulatório ambiental, é importante atentar a qualquer fato que coloque em xeque a reputação da empresa, seus fornecedores, colaboradores e sua administração.

Agir de forma convincente, demonstrar capacidade de rápida resposta na avaliação detalhada em eventual reparação de danos, bem como atuar sempre pela prevenção, são outras opções que merecem igual atenção. Porém, para assegurar a continuidade da atividade econômica de forma segura e sustentável, é essencial uma legislação ambiental clara, eficiente e compatível com a atualidade.

Desde 1992, após a realização da Rio 92 no Brasil, o país tem se mostrado mais atento e preocupado com as práticas ambientais e com as penalidades aplicáveis em caso de não observância. A partir daí, foi editada uma série de normativas rígidas para cumprimento de obrigações ambientais, sem muitas brechas para aqueles que não estivessem adequados.

Cabe destacar aqui uma breve elucidação sobre a relação do Direito Ambiental e das formas de cumprimento de suas regras com a evolução do cenário econômico, político e social. Em um contexto de crescimento industrial, o consumo desenfreado de recursos naturais exigiu que os países começassem a se preocupar com a proteção do meio ambiente, o que resultou em criação de normativas bastante protetivas.

Ocorre que, conforme exposto acima, o compliance ambiental também se mostra cada vez mais atual e preocupado com o contexto social do momento e, em algumas situações, apresenta cenários de flexibilidade. É o que estamos vendo recentemente no Brasil em decorrência da pandemia da Covid-19, que quebrou padrões e refez as relações jurídicas. O Direito Ambiental não poderia ficar de fora e também precisou se adequar ao cenário extremo e imprevisível.

Além da flexibilização de prazos, no dia 2 de abril o Ibama publicou o Comunicado nº 7337671/2020-GABIN, que trouxe diretrizes temporárias relativas ao cumprimento das obrigações previstas nos licenciamentos ambientais. Em apertada síntese, o órgão, entendendo o contexto de pandemia, flexibilizou ao informar que as obrigações legais perante o licenciamento deveriam ser observadas na medida do possível e caso a empresa não conseguisse cumprir alguma medida ou obrigação ambiental por conta da pandemia, deveria agir de forma a minimizar os impactos. A empresa deveria, além de comunicar o Ibama, identificar as causas que originaram o problema e a sua relação com a pandemia e formalizar os esforços realizados para mitigação dos efeitos da não conformidade, agindo para que a atividade retorne à normalidade com celeridade.

Ou seja, diante das dificuldades causadas pela Covid-19, o Ibama adotou uma medida flexível ao considerar as circunstâncias e as causas de eventuais descumprimentos antes de eventual aplicação de penalidade, demonstrando o quão complexo e dinâmico é a aplicação do Direito Ambiental, que transita sobre uma série de contextos sem perder o foco com a preservação do meio ambiente.

Como foi possível verificar, a temática ambiental é muito abrangente e exige conhecimentos técnicos, científicos e interpretações jurídicas que envolvem não só todos os ramos do Direito, como também uma leitura social. Por isso, os problemas ambientais se mostram cada vez mais complexos, o que demonstra a necessidade de haver um tratamento diferenciado para o regramento ambiental.

Com esse entendimento, o Congresso Nacional está analisando o Projeto de Lei nº 5.442/2019, que pode ser definido como o marco da retomada do compliance regulatório ambiental no país. A norma irá sintonizar o Brasil em programas de conformidade em um padrão internacional, regulamentando, sobretudo, as empresas que exploram atividade econômica potencialmente lesiva ao meio ambiente.

Caso seja aprovado, esta nova normativa possibilitará, na forma do seu artigo 2º, que qualquer pessoa jurídica observe um "conjunto de mecanismos e procedimentos internos de conformidade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar, prevenir e sanar irregularidades e atos ilícitos ao meio ambiente".

A adoção integral dessa nova legislação permitirá às empresas que tiverem um programa de conformidade ambiental usufruir uma série de benefícios, e um deles é a observação destes mecanismos de prevenção, pelo poder público, quando da imposição de sanções penais e/ou administrativas previstas na legislação ambiental em vigor, como também condicionar subvenções e financiamentos públicos.

O projeto atualmente se encontra em fase de aprovação pela Câmara dos Deputados e está aguardando o parecer do relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS). Algumas regulamentações serão objeto de deliberação pelo Conama — Conselho Nacional do Meio Ambiente — e, certamente no que se refere aos níveis municipais e estaduais, a regulação será replicada para instituições locais.

Merece destaque o artigo 6º do referido projeto, que prevê o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica na colaboração para a criação de uma cultura ética dentro da empresa no que se refere às boas práticas ambientais; a realização de treinamentos periódicos sobre o programa (para a atualização e reciclagem dos funcionários e colaboradores); o monitoramento contínuo e a análise periódica de riscos, a fim de identificar melhorias e efetuar as adaptações necessárias ao programa de integridade ambiental.

Já o artigo 7º, no que se refere à avaliação de efetividade do programa, é taxativo quando diz que seu julgamento se dará de forma complementar entre os setores público e privado. Ou seja, em caso de dano ambiental causado por omissão no dever de avaliação e fiscalização, a autoridade certificadora independente e credenciada pelo poder público que atestou o programa também será responsável solidariamente pelos prejuízos causados pela pessoa jurídica que cometeu o ato.

O Brasil possui muitos exemplos de tragédias ambientais nos últimos anos que poderiam ter sido evitados se já houvesse um programa de compliance relacionado às normas do meio ambiente incentivado pelo poder público. Os acidentes estão estampados na mídia e os considerados mais graves vão desde vazamento de óleo in natura em mares e baías até rompimento de barragens com rejeitos de minério ou resíduos orgânicos, por exemplo.

Com relação aos impactos nas empresas em caso de danos ambientais, estes podem atrair consequências incalculáveis para a pessoa jurídica, inclusive no aspecto reputacional. Caso seja uma sociedade aberta, com a mera sinalização de responsabilização, o efeito em cascata se inicia com a redução do seu valor de mercado através da queda das ações, em um nítido prejuízo aos investidores e ao seu poder econômico, o que refletirá na incapacidade econômica para reparação do dano e na falta de geração de valor à sociedade.

Devemos sempre lembrar que, sem uma atuação séria com foco na prevenção por parte das empresas, além dos graves danos causados ao meio ambiente, toda a sociedade também se torna vítima dos impactos decorrentes da falha. De modo a mitigar esses riscos, as empresas devem tomar uma série de cuidados, tais como: I) a conferência de licenças e outros documentos e renovação dos mesmos dentro dos prazos adequados; II) a revisão constante das normas às quais estão submetidas, de modo a verificar se surgiram novas obrigações, implementando um plano de ação imediato para seu cumprimento; III) reavaliação dos processos produtivos em consonância com as novas aplicações tecnológicas para que não haja o descumprimento de nenhuma norma ambiental com o novo formato de produção; IV) realização de controle ou auditorias internas e externas; e V) a efetivação de contratações com fornecedores que estejam cumprindo as normas de direito ambiental.

De modo a reforçar ainda mais a seriedade das regras ambientais, vale destacar o recente julgamento, em 17/04/2020 pelo STF, do Recurso Extraordinário nº 654.833 com repercussão geral, fixando a tese de que "é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental". Portanto, firma-se o entendimento de que a responsabilidade civil por dano ambiental no Brasil não prescreve com o tempo, na linha do que já vinha sendo entendido pelo STJ.

No mundo corporativo, a busca ano após ano em ser referência no segmento de atuação de suas atividades submete a empresa aos mais elevados standards e padrões de qualidade extremamente competitivos. Com isso, o cumprimento de normas ambientais não deve ser deixado de lado em um cenário de crescimento constante e deve, sim, passar a funcionar como um elemento balizador que garantirá uma posição de sucesso para as empresas que tenham regras ambientais como sendo "de ouro" em suas operações.

Grandes empresas, por exemplo, confundem suas histórias com o próprio desenvolvimento da sociedade rural, mediante gestão eficiente e responsável dos recursos naturais. Em termos de agrobusiness, se não fosse a inteligência empregada no campo, não seria possível um aproveitamento tão elevado da cultura, não existiriam estudos tão avançados para a escolha das melhores sementes ou sequer teríamos chegado à escolha do solo mais apropriado para o plantio. É indiscutível que empresas seculares e produtores rurais — que atuam há décadas na atividade — certamente são capacitados para prever o momento de maturidade da plantação ou até mesmo quando é necessário aplicar defensivos para evitar as costumeiras pragas que geram verdadeiros desperdícios de recursos naturais. A prática e a obrigação legal caminham juntas.

Evidentemente, o que se discute no parágrafo imediatamente superior deve sempre ser observado com muita responsabilidade e expertise técnico, em total respeito à legislação e com a adoção das melhores práticas de gestão do meio ambiente. Isso significa dizer que as empresas cientes de sua importância no meio rural, por exemplo, tem íntima relação com o compliance ambiental, pois somente com o desenvolvimento tecnológico aliado ao expertise histórico destas organizações foi possível, por exemplo, observar que a diversificação de cultura é o melhor caminho, tornando-se inclusive obrigação legal em alguns estados, a exemplo de algumas políticas agrícolas dos estados da região Sul do Brasil.

É notório, portanto, que cada vez mais se mostre fundamental a adoção pelas empresas de programas de regularização e total adequação às normas legislativas, inclusive aqueles referentes às obrigações ambientais. Qualquer executivo membro do corpo diretor deve cobrar que seus colaboradores vistam a camisa de um programa de integridade ambiental. Tal prática não deve existir só porque o ordenamento prevê multas milionárias para reparação de danos, mas, sim, porque o que está em jogo é a preservação do meio ambiente já tão extensivamente degradado. Muito além da necessidade de se manter a reputação e a credibilidade da empresa como referência de sustentabilidade no meio rural ou urbano, a adoção de práticas ambientais perenes contribui não só para o correto desenvolvimento do meio ambiente. A atuação ética resulta no crescimento constante de uma sociedade cada vez mais sustentável e responsável, deixando assim um verdadeiro e exemplar legado para as gerações futuras.

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