Opinião

Acordo de não persecução penal é direito público subjetivo do acusado

Autor

  • Mathaus Agacci

    é advogado criminalista graduado em Direito pela Faculdade Cesusc doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA) sócio fundador do escritório Mathaus Agacci Advocacia Criminal e membro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc) e da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

22 de maio de 2020, 6h31

Muito se tem discutido sobre as inovações na legislação penal/processual penal em geral instituídas pela Lei nº 13.964/2019, que se conveniou chamar de "Pacote Anticrime".

Entre as inúmeras novidades, tem-se o acordo de não persecução penal, instrumento que amplia a chamada Justiça negociada no processo penal, viabilizando — quando preenchidos os requisitos dispostos no artigo 28-A do Código de Processo Penal acordo entre o dominus litis e o investigado/acusado [1] para impedir a persecutio criminis in judicio, mediante o cumprimento de certas condições.

A nosso sentir, o instituto despenalizador veio em boa hora, oportunizando aos atores judiciários do processo penal que dediquem-se aos casos que realmente mereçam a atenção estatal sobretudo aqueles cometidos com violência e/ou grave ameaça, não abarcados pela benesse em quaestio —, mormente se considerarmos a estrutura arcaica e morosa de nosso sistema processual.

Da leitura do novel artigo 28-A do Código de Processo Penal, deparamo-nos com a seguinte questão: caso o agente preencha os requisitos dispostos no diploma normativo, é obrigado o Ministério Público a propor o acordo de não persecução penal?

A questão, com certeza, comporta grande discussão e possui fortes argumentos tanto para os que entendem que sim quanto para aqueles que entendem que não.

A nosso sentir, se o investigado/acusado [2] preencher os requisitos dispostos no artigo 28-A do Código de Processo Penal, o acordo será seu direito público subjetivo, não podendo furtar-se o órgão ministerial a ofertá-lo.

Isso porque não se mostra razoável que a hipótese de oferecimento ou não [3] de instituto despenalizador benéfico àquele que seria processado criminalmente e suportaria toda a estigmatização gerada por ser etiquetado como réu em processo criminal fique a cargo exclusivo do órgão de acusação, que, por ser humano, tem o pensamento eivado, muitas vezes, de preconceitos e subjetivismos.

O perigo reside na expressão "desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime", contida no caput do artigo 28-A, que pode vir a ser utilizada, na prática, pelos membros do Ministério Público como salvaguarda ao não oferecimento do novel instituto, ainda que objetivamente cabível.

Em matéria de processo penal, a experiência já mostrou que requisitos legais demasiadamente subjetivos e abertos como o mencionado, na prática, servem apenas para ofender direitos e garantias de status constitucional, não coadunando com um Estado que se pretende verdadeiramente democrático.

A título exemplificativo, cita-se a banalização da decretação de segregação cautelar pela gravidade em abstrato de determinados delitos, com base nas deturpações conceituais do requisito da "garantia da ordem pública".

Cita-se, ainda, objetivando justificar argumentação prolepse, que a crítica acima realizada interpretação subjetiva perversa de (in)aplicabilidade do acordo ao caso concreto pelo pensamento idiossincrático dos punitivistas guarda insofismável semelhança com aquela desempenhada por respeitáveis membros do Ministério Público [4] e do Poder Judiciário [5] aos tipos penais abertos contidos na Nova Lei do Abuso de Autoridade.

Impende mencionar, ainda, que o acordo de não persecução penal possui nítido caráter de norma híbrida, com reflexos iniludíveis na esfera material, por criar uma nova causa extintiva da punibilidade (artigo 28-A, §3º, do CPP) de modo que, a nosso entender, caso haja recusa do representante do parquet em ofertar o acordo de não persecução penal, pode o imputado pleitear ao magistrado cuja missão constitucional é garantir a eficácia do sistema de direitos e garantias do acusado o reconhecimento de seu direito para que seja determinado ao órgão de acusação que formule uma proposta de acordo.

Ressalta-se que, pelo pleito em questão, não haveria violação do sistema acusatório, haja vista haver postulação pelo acusado do reconhecimento de seu direito público subjetivo ao acordo, pelo preenchimento dos requisitos legais.

Menciona-se, por fim, dando guarida à tese defendida, que o próprio §5º do artigo 28-A do Código de Processo Penal evidencia o controle das garantias do acusado pelo magistrado, que pode devolver os autos ao Ministério Público para reformular a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor, quando verificar a insuficiência ou a abusividade das condições dispostas no acordo de não persecução penal.

Dessa forma, entende-se pela impossibilidade da recusa, por parte do Ministério Público, em ofertar o acordo de não persecução penal quando o acusado preenche os requisitos dispostos no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

 


[1] Elenca-se o "acusado" considerando que que o legislador, ao criar uma nova causa extintiva da punibilidade (artigo 28-A, §3º, do CPP), atribuiu ao acordo de não persecução penal natureza híbrida de norma processual e norma penal, sendo inequívoco que deve retroagir para beneficiar o agente, conforme artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, devendo ser aplicada a todos os processos em curso, ainda não sentenciados, até a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

[2] Idem.

[3] Quando preenchidos os requisitos dispostos pelo legislador.

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