Improbidade em debate

Termo inicial dos prazos prescricionais em concurso de agentes públicos e privados

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22 de maio de 2020, 8h00

Spacca
O artigo 23 da Lei n. 8.429/1992, como se sabe, prevê como termo inicial do prazo prescricional1 de cinco anos para exercício de pretensão sancionadora contra agentes públicos o fim do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança”, sendo que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, esses termos variariam agente a agente, de acordo com suas condições particulares:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. PRESCRIÇÃO. CONCURSO DE AGENTES. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. TERMO INICIAL. ART. 23, I, DA LEI N. 8.429/1992. TÉRMINO DO MANDATO. CONTAGEM INDIVIDUALIZADA.

1. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que o prazo de prescrição na ação de improbidade é quinquenal, nos termos do que dispõe o art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992.

2. Mencionado dispositivo é claro no sentido de que o início do prazo prescricional ocorre com o término do exercício do mandato ou cargo em comissão, sendo tal prazo computado individualmente, mesmo na hipótese de concurso de agentes, haja vista a própria natureza subjetiva da pretensão sancionatória e do instituto em tela. Precedentes. (…)2

O problema é que a lei foi silente quanto ao termo inicial da prescrição concernente aos particulares, que não possuem vínculo público direto a partir do qual, uma vez encerrado, haveria de ter início a contagem. Diante dessa omissão legislativa, a dúvida teve, novamente, de ser sanada pela jurisprudência do STJ, que, em 2019, editou o enunciado n. 634 de sua súmula, nos seguintes termos: “Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público.”

Não nos é estranho o fato de que, perquirindo sobre os acórdãos inspiradores do enunciado, o raciocínio haja sido o de que, “em se tratando de ato de improbidade administrativa praticado por particular, juntamente com servidores públicos, o marco inicial do prazo prescricional quinquenal para a aplicação das penalidades corresponderá à data de desligamento dos agentes públicos” (AgInt no REsp 1.528.837/SP, DJ de 31.10.2017). Não podemos deixar de consignar, contudo, desdobramentos paradoxais que emergem do referido entendimento sumular.

Isso porque, inobstante o mesmo STJ assevere, quanto aos agentes públicos entre si, o caráter personalíssimo da prescrição, que, exatamente por isso, deve considerar as condições subjetivas de cada partícipe da relação processual (AgRg no AREsp 472.062/RJ, DJ de 23.9.2015), não se respeitou, com o aludido enunciado, um paralelismo no que toca aos agentes particulares. Isto é, para fins de identificação de termo inicial do prazo prescricional, houve uma dissociação entre os agentes públicos, mas um atrelamento esses e particulares, o que de pronto põe em dúvida a proteção à isonomia.

A par do descompasso lógico, o entendimento sumular ainda põe em dúvida, na hipótese de concurso entre múltiplos agentes públicos e particulares, que termo inicial o prazo referente a esses últimos observaria em relação àqueles primeiros. Dito de outro modo, se os agentes públicos observam termos distintos, a qual deles se vinculariam os particulares?

Sem adentrar o debate sobre a validade da opção legislativa referente ao termo inicial previsto no artigo 23, I3, faria muito mais sentido que a contagem para agentes particulares, nos termos do enunciado 634, quando faz ele referência a “regime prescricional”, considerasse, para os atores privados, uma de duas opções, privilegiando-se a que lhes fosse mais favorável: (i) o término do vínculo do agente privado com a administração, contratual ou eventual, nessa última hipótese, por exemplo, quando o elo se inicia e se encerra com a prática de um dado ato ilícito; ou (ii) não sendo possível identificar um marco específico terminativo do vínculo, ou acaso não se entenda como viável a primeira opção, o primeiro termo inicial aperfeiçoado entre os agentes públicos.

Fazendo-nos mais claros: com relação ao que sumariado em (i) no parágrafo anterior, a extensão do regime dos agentes públicos aos agentes privados absolutamente não deve implicar uma identidade de contagem do prazo prescricional, haja vista que o fim do vínculo de um não necessariamente se confunde com o do outro. O que a extensão de regime diria, então, a nosso ver, é que, a exemplo dos agentes públicos, o prazo de contagem para agentes privados haveria de se iniciar do término do liame por eles experimentado, e ensejador da suposta improbidade.

Alternativamente que seja, e retomando o que sumariado em (ii), em se perseverando no atrelamento entre termos iniciais experimentados por agentes públicos e privados, deveria ser prestigiado, dentre os primeiros, o termo mais benéfico aos segundos, evitando-se, uma vez rememorada a natureza sancionadora da improbidade, que, sendo mais de uma as possibilidades, e resguardada que estará a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário em razão de ato doloso, se opte, para fins de aferição da prescrição, pela hipótese mais gravosa para os particulares. É uma proposta de releitura do enunciado n. 634.


1 Por óbvio, está excluída da prescrição o ressarcimento ao erário oriundo de ato praticado com dolo.

2 STJ – REsp 1230550/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, DJe 26/02/2018.

3 A título de reflexão — contra legem —, é, hoje, duvidoso se haveria justificativa para o termo inicial do prazo prescricional para agentes públicos se vincular ao fim do vínculo. Sabido que o fundamento parte da premissa de que, no exercício do mandato ou da função, o indivíduo poderia dificultar apurações de eventuais ilicitudes. Sem embargo, se é verdade que investigações têm se tornado frequentes mesmo com agentes ainda no exercício de função, não é menos verdade que com o fim do elo com o poder muitos ainda conservam influência capaz de embaraçar procedimentos.

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    é sócio-fundador do Mudrovitsch Advogados, professor de Direito Público, doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito Constitucional pela UnB. Membro do grupo de trabalho instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça destinado à elaboração de estudos e indicação de políticas sobre eficiência judicial e melhoria da segurança pública.

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    é sócio do Mudrovitsch Advogados, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, professor de Processo Civil do IDP e vice-presidente da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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