Opinião

Crimes tributários em tempos de Covid-19

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21 de maio de 2020, 12h32

Infelizmente, em um ínfimo interim, o Brasil e, por óbvio, o mundo viram se agravar uma dura crise econômica em razão da pandemia da Covid-19. Para dirimir o contágio, diversos especialistas, bem como instituições de saúde pública do mundo inteiro, sinalizaram a real necessidade da adoção do isolamento social para, assim, diminuir a curva de contágio.

Nesse panorama, várias consequências negativas foram geradas, como drástica redução de receitas, bem como a manutenção de inúmeras despesas ordinárias: pagamento de pessoal, custos de energia e de manutenção, despesas de aluguel e, consequentemente, obrigações tributárias. Ou seja, o dinheiro circula menos, esfriando o mercado como um todo.

Todavia, tendo em vista o atual cenário catastrófico, como é de conhecimento público, empresas não estão funcionando, autônomos não estão trabalhando, o comércio está fechado, e, por consequência, a depender da extensão do período de isolamento social que até o momento é incerto e muito discutido , empresas e particulares de diversos setores não conseguirão eventualmente honrar com as suas responsabilidades, incluindo os compromissos tributários. Assim, quais serão as consequências jurídico-penais do não pagamento de impostos devidos?

Esclarecemos que esta breve reflexão limita-se às consequências de natureza criminal. Os assuntos propriamente tributários não fazem parte do presente trabalho. Sabe-se, por exemplo, que o Fisco adotará regras especiais, postergando a exigência de determinados tributos. Por exemplo, na Câmara dos Deputados tramita o Projeto de Lei Complementar 29/2020, que chega a prever isenção de quase todos os tributos e contribuições aos integrantes do Simples [1].

Ainda nos bancos acadêmicos, malgrado introdutórias lições, é a de que o delito de sonegação fiscal, no seu núcleo, corresponde ao não pagamento de determinado tributo por meio de um comportamento fraudulento. Logo, sem fraude não há delito. Sem uma intenção que vise a enganar o Fisco, não há infração penal. Fraudar, numa explicação bem básica, é enganar.

Partindo desse pensamento, parece fácil responder à pergunta inicial: a pessoa que não adimpliu sua obrigação apenas por dificuldades econômicas, portanto, não cometeu qualquer ilícito. Pois, não houve o dolo de ludibriar o Estado. Logo, não terá cometido qualquer crime.

Mas no mundo jurídico, como é cediço, quase sempre tem um "mas"  recentes decisões dos tribunais brasileiros complicaram referida questão. São decisões que, para utilizar um eufemismo, contrariam aquelas lições aprendidas nas primeiras aulas de Direito Penal.

A Suprema Corte assentou, no apagar das luzes de 2019, que o simples fato de o contribuinte não pagar o ICMS é o suficiente para ensejar uma ação penal pasmem. Afastando, assim, conforme dito acima, o entendimento de que é necessária uma conduta fraudulenta [2].

No atual quadro, perguntamos: o contribuinte que não adimplir com os pagamentos de tributos durante a crise econômica, sem qualquer intenção de fraude, poderá ser denunciado em algum crime?

O Direito não é matemática, havendo sempre interpretações distintas.

Infelizmente, o atual quadro crítico que estamos vivenciando, per si, não possui o condão de afastar a configuração do crime de sonegação. Entretanto, seus elementos devem ser analisados caso a caso.

Tendo em vista que o Ministério Público, mais especificamente nos últimos anos, tem adotado posturas efetivamente autoritárias, esquecendo-se do seu lugar consagrado na Carta Constituinte de 1988, não ficaríamos surpresos por vê-lo acusar algum empresário, por exemplo.

De proêmio, o argumento primal da defesa deverá ser no sentido de que os crimes tributários não admitem a modalidade culposa, ou seja, "sem intenção". Em outras palavras, é verificar se o agente agiu dolosamente, isto é, se a sonegação foi praticada de forma intencional e deliberada.

A doutrina penal, de há muito, reconhece a possibilidade de excluir a responsabilidade do autor do injusto penal quando, em situações análogas ao que vivemos atualmente, o agente não poderia atuar de outro modo em razão da existência de um conflito de deveres relevantes. Assim, afasta-se o crime ainda que sua conduta (ação ou omissão) seja típica e antijurídica. Apenas esse simples raciocínio parece ser suficiente para concluir pela inexistência de crime tributário.

Outra tese de defesa que poderia ser explorada é a da chamada "inexigibilidade de conduta diversa". Essa defesa poderá ser aplicada quando o devedor não adimplir o pagamento dos tributos devidos em situações que fogem do seu controle; diante da distinta crise que vivemos.

Na praxe forense, deviríamos questionar: "seria exigível do devedor, naquele contexto histórico, Covid-19, uma conduta diversa?". Se a resposta for negativa, não há que se falar em conduta ilícita.

Desse modo, caso seja denunciado, no curso da instrução processual penal, para sustentar tais argumentos, o agente deverá fazer prova da ausência de dolo e/ou da falta de alternativas. A defesa fará essa demonstração por meio de documentos, livros contábeis, relatórios, demonstrações de queda no padrão de vida particular, entre outros, bem como de provas testemunhais.

 

Referência bibliográfica

Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-dez-16/bottini-estellita-tese-stf-icms-vale-outros-tributos. Acesso em 11/5/2020.

Autores

  • é estagiário no escritório Barros Mendes Advocacia Criminal e graduando em Direito pelo Centro Universitário Toledo Araçatuba.

  • é advogado no escritório Barros Mendes Advocacia Criminal, especializado em Ciências Criminais pela PUC-Minas e membro do Grupo de Pesquisa de Jurisprudência de Direitos Fundamentais UniToledo e do Laboratório de Direitos Humanos da FDRP-USP.

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