Opinião

Crime é escolhido com base em análise econômica

Autor

  • Larissa Pinho de Alencar Lima

    é professora de Direito Constitucional coordenadora do Nupemed/Jipa da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

20 de maio de 2020, 14h05

A análise econômica do crime influencia no cometimento de delitos. A visão do fenômeno criminológico com a lente da ciência econômica fez todo sentido a partir de alguns ensaios publicados no direito norte-americano. Entre eles, estão 'The problem of social cost", de Ronald Coase [1], e "Some thoughts on risk distribution and the Law of torts", escrito por Calabresi [2], que levaram a análise econômica a outro patamar.

No entanto, ao tratar de teoria econômica do crime, é necessário mencionar o economista norte-americano Gary Becker e sua obra "Crime and punishment: an economic approach" [3], que cita Beccaria e Bentham como percursores históricos da apreciação do comportamento ilegal e da análise do Direito econômico.

Essa análise, em tese, seria feita por qualquer agente que comete crime e que, ao se posicionar pela transgressão da lei, faz uma digressão analítica racional onde se pergunta se o custo é maior ou menor que o benefício a ser adquirido. Trocando em miúdos, o agente faz uma análise se o crime vai compensar ou não. Essa compensação pode ser monetária ou não.

Pela teoria econômica do crime, a ponderação realizada pelo criminoso passa pela (in)certeza da punição, a severidade e a celeridade da aplicação da pena, a probabilidade do reduzido tempo de prisão e até mesmo a possibilidade de prescrição.

É possível citar exemplos práticos. Um crime de homicídio na modalidade simples tem a pena mínima de seis anos. Somente 10% dos casos são elucidados. Caso o fato não se afigure dentro desse percentual, muito provavelmente não será descoberta sua autoria. Caso seja, até que se processe, julgue e condene, o agente ficará preso por período muito curto, salvo se for primário e com bons antecedentes. Nesse caso, tudo indica que o agente responderá em liberdade.

Além do mais, tem crescido vertiginosamente o laxismo penal que se afigura como tendência para a proposição de soluções absolutórias, mesmo quando evidente as provas em sentido contrário ou mesmo inserção de leis e "entendimentos" mais benevolentes em franca desproporcionalidade com a gravidade em concreto do delito. O crime, cada vez mais justificado por teses que sujeitam os agentes dos fatos a serem encarados como verdadeiras vítimas de uma "sociedade repressora ou do estado opressor", sob pretexto de vulnerabilidade e fragilidade familiar, muitas vezes não é punido. Há punição simbólica ou, ainda, benefícios muitas vezes extralegais ou interpretativos em sede da execução penal, além das teorias falíveis de superencarceramento.

Nesse contexto, a escolha pela prática do crime é racional. O crime, no Brasil, diante da análise econômica que abarca os reflexos de punição, muitas vezes compensa muito.

Em verdade, o comportamento humano se desenvolve em meio à ciência econômica, dentro de relações empresariais, novas e profundas dinâmicas de mercado, unindo a ciência econômica e a ciência jurídica. É importante citar Pedro Pacheco Mercado (1994, p. 22-23), que define a Análise Econômica do Direito (AED) nos seguintes termos:

"A AED se define pela aplicação da teoria econômica, mais precisamente, da teoria microeconômica de bem-estar na análise e explicação do sistema jurídico (…). A AED nos apresenta um novo instrumental, novas técnicas argumentativas e novas categorias que, extraídas dos desenvolvimentos da ciência econômica, apresentam-se neste movimento como pilares para construção de uma ciência jurídica a altura dos tempos. A renovação da Ciência Jurídica através da adoção da perspectiva interdisciplinar, peculiar pelo peso que tem à Ciência Econômica, a utilização de técnicas como a análise do custo e benefício na elaboração das políticas jurídicas, na justificação das decisões judiciais, a abertura decidida do discurso jurídico ao tema das consequências econômico-sociais do Direito, ou a consideração da eficiência econômica como valor jurídico, são, entre outros, sinais evidentes dessa inovação em que a Análise Econômica do Direito apresenta a si mesma". (Mercado, 1994, apud Gonçalves e Cardoso, 2016).

A análise econômica da decisão, cunhada também como análise econômica do crime que, segundo Gonçalves e Cardoso (2016), foi apontada inicialmente por Gary Becker, para quem sempre haveria uma escolha racional do indivíduo entre o setor legal e o setor ilegal da economia (AMARAL; SHIKIDA, 2012, p. 303, apud Gonçalves e Cardoso, 2016). A premissa de Becker consiste "na acepção de que os agentes criminosos, em suas condutas, estão imbuídos de uma profunda racionalidade, a qual, em última instância, se baseia na ponderação de custos e benefícios" (VIAPIANA, 2006, p. 37, apud Gonçalves e Cardoso, 2016).

Percebe-se que racionalmente o indivíduo faz uma escolha entre custo e benefício do fato ou atitude a ser tomada. Essa análise passa pelo Direito econômico, causa e efeito das consequências penais. O cidadão aprecia para cometer um crime e o governante para editar uma norma.

Para qualquer repressão à criminalidade há um valor econômico a ser arcado pelo Estado, seja para dispor de vagas em presídios, auxílio-reclusão, menor movimentação de comércio ilegal, mas que sustenta milhões de famílias brasileiras que sem esse rendimento levaria aos caos social não somente na saúde e educação pública, mas em todo sistema econômico do país. O que não deveria em hipótese alguma ser ponderado de fato é considerado para a tomada de decisões.

É novamente relevante colacionar entendimento de Gary Becker que coincide com aquela defendida séculos antes por Bentham, "um dos responsáveis por fazer germinar, ainda que em um longínquo passado, a Análise Econômica do Direito , a qual, partindo da suposição de serem as pessoas racionais, concluiu que o controle penal se resume a estabelecer um conjunto de preços pelo delito, manipulando as variáveis que determinam o custo do castigo para o criminoso em potencial" (Gonçalves e Cardoso, 2016).

Não se pode esquecer que a maior organização criminosa do país com atuação dentro e fora dos presídios, o PCC (Primeiro Comando da Capital), teve previsão de faturamento chegando ao patamar de R$ 800 milhões por ano [4]. Inclusive há quem defenda a mudança de status de facção para máfia, como defende o promotor de Justiça do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya,

Dessa forma, claramente o agente criminoso faz uma opção ao analisar quais ofensas são punidas, como é a punição, por quanto tempo e qual a possibilidade efetiva da impunidade.

Pontua-se, por fim, que levantar teses e discussões apenas sob o ponto de vista da ressocialização do preso, desumanização da execução penal, remição da pena pelo trabalho de crochê, tapetes e fabricação de máscaras, entre outros, embora de suma relevância, são questões rasas e pouco analisadas pelos próprios agentes criminosos, que apostam muitas vezes na certeza da impunidade.

 

[1] Publicado no "The Jounal of law e economics" em 1960. Ver https://www.law.uchicago.edu/files/file/coase-problem.pdf. Acesso em 10/5/2020.

[2] https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1979/. Acesso em 10/5/2020.

[3] This chapter was originally published in the Journal of Political Economy, 76(2) (1968), pp. 169–217, and is reproduced by kind permission of the University of Chicago Press. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-1-349-62853-7_2. Acesso em 11/4/2020.

[4] https://noticias.r7.com/sao-paulo/faturamento-do-pcc-chegara-a-r-800-milhoes-por-ano-diz-promotor-23082019. Acesso em 19/4/2020.

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