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Especialistas discutem os desafios e saídas trabalhistas impostos pela epidemia

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20 de maio de 2020, 21h32

ConJur
Em mais um seminário online promovido pela TV ConJur, especialistas debateram as normas transitórias trabalhistas aplicáveis durante o estado de calamidade pública decorrente da epidemia de Covid-19. Afinal, não apenas as medidas de isolamento social alteraram substancialmente a maneira como milhões de empregados vinham trabalhando, mas também a preocupação com a preservação de empregos e da própria economia tornou premente a aplicação de regras excepcionais. 

A discussão faz parte da série "Segurança na Crise" e teve o mote "Desafios trabalhistas após 2 meses de Covid-19". O seminário contou com a participação de Alexandre Belmonte, ministro do TST, Otávio Calvet, juiz do Trabalho e presidente da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho), Pedro Capanema, sócio do Capanema e Belmonte Advogados e consultor da Firjan (indústrias do Rio de Janeiro) e Priscila Fichtner e Mirela Saár (mediadora do evento), sócias do Chalfin, Goldberg e Vaiboim Advogados.

Apesar de duas medidas provisórias (927 e 936) e diversos decretos e portarias terem disciplinado as relações trabalhistas neste período excepcional, diversas dúvidas permanecem. Como, então, perseguir segurança jurídica durante a crise? As respostas foram dadas pelos participantes do seminário.

Fato do príncipe
Uma delas diz respeito à aplicação ou não do artigo 486 da CLT, que prevê a aplicação do fato do príncipe no Direito do Trabalho, durante a epidemia.

O fato do príncipe é o poder de alteração unilateral, pelo poder público, de um contrato administrativo. Ou, além disso, medidas gerais da Administração, não relacionadas a um dado contrato administrativo, mas que nele têm repercussão, pois provocam um desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado.

A resposta coube ao ministro Alexandre Belmonte. O artigo 486 da CLT, que atribui responsabilidade ao governo por fato do príncipe, é absolutamente inaplicável no caso da Covid-19", diz.

"Caso fortuito, força maior e fato do príncipe são institutos distintos, em relação à origem do fato gerador", explicou. Os três são fatos imprevisíveis, mas a origem do fato do príncipe é ato unilateral de autoridade pública, capaz de extinguir ou alterar relações já constituídas, como uma desapropriação.

Mas, para o ministro, os governos que suspenderam atividades não agiram de forma discricionária, com base em critérios de conveniência e oportunidade. "Os governos determinaram a paralisação por motivo de saúde pública, e isso descaracteriza o fato do príncipe e, também, a responsabilidade desses governos", explicou.

Prescrição
Outra questão que ainda gera insegurança no Direito Laboral diz respeito à prescrição de direitos. Sobre o assunto, o juiz Otávio Calvet lembrou que o Senado aprovou nesta terça-feira (19/5) o PL 1.179/20. Assim, caso sancionado, a resposta é clara: os prazos prescricionais ficam impedidos ou suspensos até 30/10.

Contudo, Calvet assinalou que, enquanto isso não ocorrer, a postura mais conservadora faz-se mais prudente: diante da dúvida, é melhor o credor não contar com a possibilidade de suspensão da prescrição.

De todo modo, o juiz registrou seu entendimento pessoal sobre a matéria: "Ao mesmo passo que prazos dos processos em curso foram suspensos, por outro lado, as ações continuaram sendo distribuídas", diz. Assim, segundo ele, não haveria motivo para suspensão da prescrição.

Mas ele faz a ressalva: "A suspensão de prazos dá uma tutela ao devedor. O credor, que não está inerte, mas está com dificuldade de buscar a tutela de seus direitos, também deveria ter algo nesse sentido", afirma. Assim, por isonomia, a prescrição também deveria ser suspensa. Mesmo porque, conforme lembrou, milhões de brasileiros não têm acesso a internet, o que dificulta o ajuizamento de reclamações. "Prescrição é para quem está inerte. Se estou isolado e não posso tutelar meu direito, inerte não estou", conclui.

Grupo de risco
Os trabalhadores que integram o chamado "grupo de risco" podem se recusar a trabalhar? Eventual falta pode ser abonada? Para Priscila Fichtner explicou que não existe norma que exclua o direito e o dever de trabalhar dos integrantes desse grupo. Há apenas uma exceção, prevista pela MP 945, que se aplica apenas ao setor portuário. 

"Para os demais trabalhadores, existe apenas recomendação para que os integrantes do grupo de risco realizem o distanciamento social", explica. Assim, o trabalho remoto, quando possível, é aplicável ao grupo de risco. Mas o problema surge quanto ao trabalho presencial. "A exigência do trabalho presencial para o grupo de risco deve ser sopesada no caso concreto", resume. 

Assim, antes de exigir a presença do trabalhador, o empregador deve reduzir os riscos de contaminação inerentes ao ambiente de trabalho. "Esse dever é tão importante que submeter o empregado a perigo ou dano iminente pode resultar em justa causa do empregador", lembra. Portanto, se a higiene e saúde no trabalho são garantidas, o empregador pode, sim, exigir a presença de trabalhador integrante do grupo de risco, principalmente em atividades essenciais.

Ponto no teletrabalho
O home office, modalidade que já vinha sendo praticada em diversos segmentos, indiscutivelmente ganhou adesão maciça durante a epidemia. Uma das dúvidas a respeito, então, é se o trabalhador pode individualmente ser liberado da marcação de ponto — caso não tenha condições de, em casa, trabalhar de forma contínua durante a jornada. Afinal, com a mudança de rotina na vida das famílias, muitas vezes é preciso ter um computador à disposição (eventualmente usado pelos filhos para assistir remotamente a aulas) e trabalhar em outros afazeres domésticos, como cuidar das crianças e cozinhar.

Pedro Capanema lembrou que a MP 927, ao alterar regras já previstas pela reforma trabalhista, permitiu que o empregador possa unilateralmente determinar o home office, que se tornou alternativa factível. 

Então, se a empresa já adotou o controle de jornada no regime de teletrabalho, o caso concreto tem que ser considerado. "O Direito precisa encontrar uma solução adequada para isso. Se o empregado faz um requerimento expresso ao empregador, em que ele se compromete a não realizar horas extras, a não trabalhar fora de seu horário contratual e a não realizar trabalho noturno, reconhecendo que essas práticas não são necessárias na sua jornada, esse pacto pode, sim, ser feito no contexto do acordo individual", afirma.

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