Opinião

As medidas tributárias adotadas pelos estados diante da pandemia da Covid-19

Autor

  • Ângelo Pitombo

    é advogado tributarista sócio fundador do escritório Ângelo Pitombo Advogados Associados especialista em Direito Tributário Estadual ex-conselheiro do Contencioso Administrativo Tributário da Bahia (Consef) e conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP.

20 de maio de 2020, 7h08

Diante da imprevisível crise econômica global procedente da pandêmica Covid-19, sucederam-se providências emergenciais para preservar a saúde econômica das empresas, muitas delas voltadas para as obrigações tributárias de curto prazo.

Em que pesem as limitadas alternativas, fruto dos efeitos da crise sobre suas receitas, é oportuno assentar que os estados e municípios adotaram medidas tributárias, basicamente adstritas ao Simples Nacional, de vigor insuficiente para abrandar o impacto econômico, consequente do declínio do faturamento e fluxo de caixa de seus contribuintes. 

Com amparo nos levantamentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), 73% das empresas precisarão de crédito para capital de giro no montante de 43% de seu faturamento. Do total desses créditos obtidos, 89% serão destinados ao pagamento de salários, 63% para insumos e 39% para custo de energia. Essas não são as mesmas necessidades de outras atividades econômicas voltadas ao comércio e serviços, bem como de regiões distintas do país, contudo é um indicativo.

Com efeito, nesse período de contração generalizada do fluxo de caixa das empresas o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), que é de competência dos estados e do Distrito Federal, produz o maior impacto na carga tributária de seus contribuintes e passa a ter equivalente relevância para a higidez financeira dessas empresas.

Em linhas gerais, a obrigação de pagar o aludido imposto nasce após a ocorrência de seu fato gerador, comumente a venda das mercadorias ou prestação dos serviços que estão inseridos em seu campo de incidência.

Não obstante, por meio do Regime de Substituição Tributária associado à Antecipação do ICMS (RST/AT), que, para a maior parte dos estados, está incluída mais da metade do valor das mercadorias neles comercializados, o imposto é pago antes mesmo que ocorram as saídas das mercadorias, fruto de suas vendas.

Nessa senda, o pagamento do ICMS de toda cadeia econômica, da produção até o consumo, deve ser realizado pelo contribuinte, em geral, que der início à circulação da mercadoria nas operações interestaduais ou internas, a depender da origem da mercadoria e da existência de acordos interestaduais ou enquadramento do produto no regime interno do estado.

Mesmo em ocasiões de estabilidade econômica, a operacionalização do RST/AT exige um significativo esforço de caixa dos contribuintes para anteciparem o pagamento do imposto, além da consequência de reduzir a competitividade daquelas com menor disponibilidade de capital de giro.

Em período de crise com tamanha e generalizada desidratação do fluxo de caixa das empresas, ajustes precisam ser efetuados para que se assegure o funcionamento regular do sistema.

Importa lembrar que o Estado de Santa Catarina, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), visando a reduzir os pedidos de restituição e demandas jurídicas relativas à base de cálculo do RST/AT, bem como atrair empresas e oferecer oxigênio para as já existentes, antecipou-se em 2019 e promoveu a mais ampla mudança nesse intricado microssistema tributário.

No rol das medidas adotadas pelo Estado de Santa Cataria se destacam as exclusões de diversos produtos RST/AT, a exemplo de materiais de construção e congêneres, materiais elétricos, produtos de papelaria, produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos, tintas, vernizes e outras mercadorias da indústria química, lâmpadas, reatores e starters, ferramentas, máquinas e aparelhos mecânicos, elétricos, eletromecânicos e automáticos.

Outros estados, como Goiás e Rio Grande do Sul, adotaram também algumas modestas iniciativas e, por razões semelhantes, em alguns aspectos, excluíram produtos desse mecanismo de arrecadação.

Em momento de crise econômica, manter e até incrementar a receita tributária exige amplo alinhamento entre os órgãos técnicos que se ocupam do desenvolvimento econômico e aqueles que dirigem a administração tributária. A máquina de arrecadação precisa ser calibrada com sabedoria.

Nesse sentido, convêm realçar que o Regime de Substituição Tributária com Antecipação encurta a disponibilidade de caixa, por meio do pagamento dos tributos antes mesmo de serem realizadas as vendas das mercadorias com a ocorrência do fato gerador, e, para lhe conceder o imperativo fundamento de validade, foi necessária uma emenda que inseriu o §7º no artigo 150 da Constituição Federal. Esse fato provocou uma expansão desregrada do regime, com a inclusão de inúmeros e desnecessários novos produtos, além de regras de difícil operacionalidade.

É importante sublinhar que esse é um momento oportuno e necessário para que os estados, detentores de detalhadas informações sobre as operações que envolvem esse regime, o reavaliem, repensem e adotem providências para reduzir a sua aplicação a um rol de produtos que originariamente dele faziam parte.

Necessário, portanto, examinar a exclusão dos itens que são irrelevantes para a arrecadação, os que têm oscilações constantes no preço final de venda a varejo, além dos produtos que não se ajustam à forma apropriada para esse tratamento tributário, a exemplo daqueles com quantidade elevada de contribuintes substitutos em detrimento dos substituídos e os que concentram maior número de substitutos dentro do próprio estado.

Trazendo essas considerações para o campo prático, a exclusão de produtos demanda análises e estudos que são de fácil realização, tendo em vista o volume de informações disponíveis nas Secretarias de Fazenda, sobre a participação de cada produto na arrecadação, suas margens de valor agregado, a estabilidade dos preços finais de vendas a varejo, o número e a localização dos contribuintes substitutos e substituídos e a eficiência dos sistemas de controle e acompanhamento da arrecadação. Elas, contudo, podem demandar mudanças em acordos interestaduais que envolvem outros estados signatários.

Nesse contexto, visando a harmonizar o recebimento das vendas e serviços com o pagamento do aludido imposto, são necessárias providências precedentes que alarguem os prazos ou parcelem o recolhimento do imposto exigido antecipadamente, almejando uma sincronia entre o prazo de seu pagamento e o giro dos estoques, bem como, fruto dos efeitos da crise no comércio, reavaliar, por meio dos atuais preços de venda a varejo praticados, a base de cálculo do regime para cada produto.

Acrescente-se ainda outras alternativas disponíveis para os estados, a exemplo da revogação temporária da antecipação parcial do ICMS, cuja manutenção é impensável nesse momento; celeridade nos processos de restituição de impostos pagos a mais indevidamente, inclusive em relação à diferença de base de cálculo na Substituição Tributária; flexibilização para transferências de créditos fiscais acumulados para outros contribuintes; dilação da vigência de benefícios fiscais com vencimento neste ano de 2020; suspensão temporária das execuções fiscais, além de conter medidas que possam restringir o acesso das empresas a linhas de créditos.

As medidas elencadas no campo tributário alcançam apenas a restrita competência dos estados e Distrito Federal, que devem se somar a outras tributárias, bem como de ordem macro e microeconômicas, dirigidas a mitigar os efeitos da crise, especialmente sobre as empresas de pequeno e médio porte, na medida em que enfrentarão dificuldades para manter o faturamento e empregos, cumprirem tempestivamente suas obrigações tributárias e, sob os efeitos da consequente redução da economia de escala, manterem-se no mercado obtendo razoáveis condições nas aquisições de insumos e mercadorias.

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    é advogado tributarista, sócio-fundador do escritório Angelo Pitombo Advogados Associados, auditor aposentado, conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP, ex-conselheiro do Contencioso Administrativo Tributário da Bahia (Consef) e doutorando em Direito.

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