Opinião

O Dia da Defensoria durante a pandemia

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19 de maio de 2020, 19h13

No dia 19 de maio, anualmente é celebrado o Dia da Defensoria Pública, oficialmente instituído em âmbito nacional pela Lei Federal nº 10.448/2002. Entretanto, no ano de 2020, o cenário nacional nos compele a substituir a celebração pelo luto.

Há pouco mais de um mês, a pandemia da Covid-19 chegou com força ao Brasil, obrigando governos estaduais e municipais, de acordo com as recomendações de distanciamento social, a decretar a quarentena da população, impactando a economia, as relações de trabalho e a prestação do serviço público.

Da noite para o dia, serviços públicos prestados de forma presencial à população tiveram que se valer de ferramentas tecnológicas para garantir a sua continuidade, ainda que na modalidade remota.

Não obstante tenha sido determinada a suspensão dos prazos processuais (Resoluções nº 313, nº 314 e nº 318 do CNJ), a continuidade do acesso à justiça não poderia ser prejudicada, sob pena de comprometer a efetividade dos direitos fundamentais e a manutenção do próprio Estado de Direito. Com isso, os gestores da Defensoria Pública tiveram que inovar para garantir a continuidade do atendimento jurídico prestado à população e a manutenção da fiscalização exercida sobre as funções estatais.

Como o tradicional atendimento presencial acabou sendo severamente restringido pelas recomendações sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, os gestores da Defensoria Pública foram impulsionados a buscar mecanismos alternativos e inovadores para viabilizar a continuidade dos serviços jurídico-assistenciais prestados ao público.

Considerando que 70% da população possui acesso à internet, segundo dados de 2018 divulgados pelo IBGE, e também há um intenso uso de aplicativos de mensagens e de redes sociais, restou evidenciada a existência de um ambiente favorável para a inovação no fluxo de atendimento e na aplicação de ferramentas tecnológicas.

Sem dúvida, a implementação de uma nova rotina de atendimento não poderia ignorar a parcela significativa da população que ainda não possui acesso à internet e, mesmo possuindo acesso, enfrenta dificuldades em operar os sistemas de interface com a rede.

Justamente por conta disso, a Defensoria Pública implementou uma estratégia ambivalente, destinada a amparar os diferentes segmentos de vulneráveis da sociedade brasileira e, como não poderia ser diferente, abarcando também os vulneráveis tecnológicos.

Primeiramente, a cultura da "porta aberta" das unidades da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro foi rapidamente substituída pela implementação de 110 Polos de Atendimento Remoto, cujo acesso se dá por telefone, email ou aplicativo de mensagens. Como forma de franquear o acesso à todos, a Defensoria Pública disponibilizou também a linha direta gratuita 129, que pode ser acionada inclusive por telefones públicos; com isso, mesmo para aqueles que não possuem acesso a email, aplicativo de mensagens ou telefone celular (ou não possuam créditos em seu aparelho de telefonia), resta assegurado o acesso remoto à Justiça.

Paralelo a isso, foi traçada uma estratégia de comunicação com o objetivo de difundir a prestação de serviço remoto à população, levando ao conhecimento de todos as novas "portas abertas virtuais" da defensoria. Para tanto, a Defensoria Pública desenvolveu um site específico para funcionamento durante a pandemia, firmou parceria com a imprensa tradicional, além de fazer intensivo uso das redes sociais.

As estratégias adotadas pela Defensoria Pública acompanham a tendência mundial reorganização dos serviços judiciais e jurídico-assistenciais. Segundo pesquisa recentemente publicada pelo Global Access to Justice Project, que analisou os impactos da Covid-19 em mais de 50 países, a grande maioria dos sistemas judiciais do planeta aderiu ao trabalho remoto (73%) e adotou iniciativas tecnológicas especiais durante o surto (78%). Entre as medidas tecnológicas mais utilizadas pelas agências de assistência jurídica, podem ser destacados o uso de emails (53%), celulares (49%), videoconferência (35%) e call centers (33%) como viabilizar a comunicação com a população.

Embora a inovação sempre desperte um certo receio e desconfiança, as ferramentas tecnológicas possuem o potencial de viabilizar inúmeros benefícios para a política pública de acesso à Justiça, razão pela qual certamente continuarão a ser utilizadas no cenário pós-pandemia. A consolidação do atendimento remoto gera economicidade e eficiência na gestão da defensoria, na medida em que otimiza os recursos humanos e reduz a demanda por espaços físicos mais amplos; evita o deslocamento desnecessário da população para obtenção de informações básicas sobre suas demandas, muitas vezes comprometendo dia de trabalho ou parte da renda com o pagamento do transporte público; reduz o tempo de espera nas salas de atendimento, eliminando a necessidade de comparecimento presencial; etc.

A crise econômica e social gerada pela Covid-19 possui a esperada tendência de gerar o aumento da litigiosidade, como natural consequência da desestabilização de diversas relações jurídicas. Em virtude da pandemia, muitas pessoas acabaram sofrendo a dramática redução de sua capacidade econômica, gerando inadimplemento de contratos, atraso no pagamento de pensões, falência de pequenos negócios, etc.

Não obstante muitas perguntas ainda permaneçam sem resposta e a vida de bilhões de pessoas ainda estejam em risco, parece claro que o acesso à Justiça garantido pela Defensoria Pública não pode ser interrompido ou prejudicado, do contrário o próprio Estado de Direito pode acabar sendo incluído na lista de vítimas da Covid-19.

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