Opinião

Exploração sexual infantil: inocência conspurcada numa sociedade doente

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18 de maio de 2020, 13h02

A Lei nº 9.970, de 17 de maio de 2000, instituiu 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Referida lei foi editada em razão do assassinato da menina Araceli [1], em 18 de maio de 1973, à época com apenas oito anos de idade, que, antes de ser morta, foi drogada e estuprada por adolescentes de classe média alta da cidade de Vitória, crime que até hoje permanece impune.

A data foi estabelecida com o escopo de mobilizar e conscientizar a sociedade sobre o estigma, as marcas indeléveis que o abuso e a exploração sexual deixam nas crianças e nos adolescentes [2]. Isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao dispor que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direito e não podem ser objetos de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão.

O abuso sexual caracteriza-se por um ato ou jogo sexual entre um ou mais adultos com uma criança ou adolescente, a fim de estimulá-los sexualmente ou utilizá-los para obter estimulação sexual para si, o que, normalmente, acontece no seio familiar por pessoas com laços parentais (pais, tios, avós, entre outros), ou seja, por pessoas que, a princípio, estariam acima de qualquer suspeita.

Já a exploração sexual ocorre com a intenção de obter vantagem financeira, quando a criança e/ou adolescente são usados como instrumentos de obtenção de lucro por quem os oferece e, também, para satisfação da lascívia de quem paga.

Infelizmente, em grande parte das vezes, esse tipo de crime consuma-se com a conivência e até mesmo colaboração dos pais.

Conforme bem analisado em valiosa cartilha do Ministério Público Federal Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul (MPF, 20- -), o abuso e a exploração sexual deixam marcas para a vida toda. As vítimas de violência sexual infantil sofrem danos físicos, podem contrair doenças venéreas e até engravidar. Além desses malefícios, os maiores danos decorrentes da violência sexual afetam a alma das crianças e adolescentes, que não conseguem se relacionar com outras pessoas, tonando-se retraídas, agressivas, sem autoestima, com tendências à depressão e ao suicídio.

Esses males impõem-nos o dever de ficarmos atentos aos primeiros sinais de que a criança e/ou adolescente sofreram violência sexual.

Entre os sinais é possível destacar: criança alegre e afetuosa que se torna retraída, triste, chorosa, irritada, agressiva, passa a ter pesadelos e sono agitado, começa a falar palavrões e a realizar gestos obscenos, demonstra demasiado interesse pelos órgãos genitais, apresenta baixo rendimento escolar, começa a ter medo de ir a lugares dos quais gostava e costumava frequentar, apresenta vermelhidão ou lesões nos órgãos genitais e sujeira incomum nas roupas íntimas, entre outras características (MPF, 20- -).

A ação ou a omissão de submeter crianças e adolescentes à exploração sexual configura crime com pena de reclusão de quatro a dez anos e multa, além de perda de bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da federação em que o crime se verificou. Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão da criança ou adolescente à exploração sexual, consoante prevê o artigo 244-A e § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Relevante dizer também que a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho e o Decreto nº 6.481/2008 estabelecem que a utilização, a demanda e a oferta de criança para fins de exploração sexual, produção de pornografia ou atuações pornográficas estão entre as piores formas de trabalho infantil Lista TIP.

Outrossim, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Consolidação das Leis do Trabalho proíbem o trabalho de adolescentes em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social (ECA, artigo 63, III; CLT, artigos 403, parágrafo único, e 405, II).

Portanto, para evitar os traumas e a fissura que os atos de violência sexual provocam na alma das crianças e dos adolescentes, é preciso que atuemos de forma preventiva, adotando providências como orientar as crianças no sentido de que ninguém deve tocar suas partes íntimas (aquelas que, na menina, são cobertas pelo biquíni e, no menino, pela sunga); a não ficar sozinhas na companhia de estranhos; a gritar por socorro quando alguém tentar tocar suas partes íntimas; a não ficar sozinhas em banheiros públicos e com pessoas alcoolizadas, enfim, a proteger-se (MPF, 20- -). Necessário, também, que pais e responsáveis ou, quando estes também de alguma forma forem coniventes, cúmplices, quaisquer outros, familiares ou não, velem para que tais exposições não ocorram e supervisionem, ainda, acessos à internet e às redes sociais.

É preciso, por fim, que para vivificar o princípio da proteção integral e absolutamente prioritária que deve ser devotada a crianças e adolescentes (artigo 227 da CRFB e ECA), o Estado e a sociedade (também a comunidade, com ideia de maior proximidade), bem como a família, organizem-se para evitar que crianças e adolescentes sejam vítimas de atos (comissivos ou omissivos) de violência sexual, a fim de assegurar-lhes o desenvolvimento físico, moral, psíquico e social para que desenvolvam todas as suas capacidades e habilidades na mais absoluta plenitude, tão necessárias para o exercício de uma vida adulta saudável e realizada.

Não fique em silêncio. Denuncie. Disque 100.

"Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes". (Abraham Lincoln)

 

Referências bibliográficas:

BRASIL, CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 267/1999. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAR1999.pdf#page=10>. Acesso em: 16/5/2020.

BRASIL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes: Marcas para a vida toda. Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul, [20- -], [S.l.: s.n.].

 


[1]Araceli Cabrera Sánchez Crespo. Disponível em: <http://www.comunicacao.mppr.mp.br/modules/noticias/article.php?storyid=11439>. Acesso em 16/5/2020

[2] Conforme a justificação no PL 267, de 1999, de autoria da deputada Rita Camata, "No dia 19 de dezembro de 1998, representantes de 55 instituições públicas e sociais de promoção, defesa e garantia de direitos das crianças e adolescentes, estabelecidos em todo o território brasileiro, segundo os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, reunidos em Salvador, Bahia, decidiram pela necessidade da instituição de um Dia oficial de Combate ao Abuso Sexual de crianças e adolescentes, a ser comemorado todos os anos, no dia 18 de maio. Foi escolhida a data de 18 de maio para lembrar o dia em que desapareceu a menina Araceli Cabrera Sanches com oito anos e meio na cidade de Vitória, Espirito Santo, em 1973. o caso Araceli, como ficou conhecido, apresenta, na avaliação dos signatários, todos os elementos de um crime sexual hediondo, constituindo um caso exemplar". Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAR1999.pdf#page=10>. Acesso em: 16/5/2020.

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  • Brave

    é juiz do Trabalho substituto do TRT da 15ª Região e coordenador do Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Presidente Prudente (SP).

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    é advogado, juiz do Trabalho aposentado, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e ex-gestor nacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho.

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