Opinião

Uso da tecnologia pelo STF é importante conquista da cidadania brasileira

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15 de maio de 2020, 13h38

Em tempos de Covid-19, a Suprema Corte dos Estados Unidos passou a trabalhar remotamente e decidiu adiar as sessões de março e abril, citando precedentes de adiamentos por motivo de saúde pública, causados pela epidemia da gripe espanhola, em outubro de 1918, e surtos de febre amarela, em agosto de 1793 e 1798.

Naquelas priscas eras, entretanto, inexistiam os avanços tecnológicos disponíveis para a Suprema Corte atual, que, em movimento inédito, aclamado como "histórico' pela mídia especializada, reagendou, para maio deste ano, a sustentação oral remota de dez processos por meio do sistema de conferência telefônica, com transmissão pública de áudio, em tempo real, no canal aberto C-SPAN.

O novo protocolo estabelece que advogados e procuradores receberão telefonemas simultâneos, no dia da sessão, às 9h15, para instruções e esclarecimentos finais. O áudio será suspenso e às 9h50 participantes serão transferidos para a conferência telefônica principal, com os nove ministros da Suprema Corte, programada para iniciar, pontualmente, às 10h.

Advogados e procuradores terão dois minutos para falar sem interrupção por perguntas, que serão inicialmente formuladas pelo presidente da corte, seguido pelos demais ministros, por ordem de antiguidade. Essa hierarquia rígida na ordem dos questionamentos também é inédita na Suprema Corte norte-americana, em que interrupções de sustentações orais para perguntas e comentários são frequentes e a palavra é utilizada livremente pelos julgadores, sem ordem estabelecida.  

Audiências por telefone não são novidade em tribunais norte-americanos, mas representam quebra de tradição, sem precedentes, em uma corte constitucional icônica e categoricamente impermeável às novas tecnologias. Sessões de sustentação oral na Suprema Corte norte-americana têm presença pública limitada, não podem ser fotografadas, nem filmadas; o áudio é divulgado posteriormente, no sítio eletrônico da corte; debates entre julgadores são sempre travados de forma reservada, longe do escrutínio público.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal se posicionou na vanguarda no uso de tecnologia e na publicidade conferida aos seus julgamentos, transmitidos ao vivo em redes abertas de TV, rádio e internet, sem edições, nem filtros. Transparência passou a ser a nossa tradição.

Em razão da súbita necessidade de distanciamento social decorrente da pandemia da Covid-19, ajustes precisaram ser efetuados nos procedimentos do STF. Sessões de julgamento em ambiente presencial foram substituídas por videoconferências em tempo real, implementadas com a ferramenta Cisco Webex, com transmissão ao vivo pelo canal do STF no YouTube. Sustentações orais e debates ocorrem de forma simultânea durante as videoconferências, cuja dinâmica de funcionamento é relativamente semelhante a das sessões presenciais.

Julgamentos virtuais em ambiente eletrônico, com início às sextas-feiras, já existiam no STF desde 2007, mas tiveram a competência consideravelmente ampliada. A sistemática de tramitação virtual de processos também foi aprimorada para facilitar o acompanhamento pela sociedade e assegurar, de forma mais efetiva, o direito ao contraditório e a ampla defesa.

No plenário virtual, debates são travados de forma consecutiva. Por meio do sistema de peticionamento eletrônico do STF, advogados e procuradores podem enviar arquivos de sustentação oral (em vídeo ou áudio) até 48 horas antes do início do julgamento, bem como realizar esclarecimentos sobre aspectos fáticos da causa, enquanto aberta a sessão.

Arquivos enviados pelas partes são automaticamente disponibilizados no sistema de votação dos ministros e no sítio eletrônico do STF, durante a sessão de julgamento. Ministros somente conseguem acessar o campo de votação após terem acessado os arquivos com as sustentações orais do processo.

Iniciado o julgamento virtual, o relator insere relatório e voto no ambiente eletrônico e os demais julgadores têm até cinco dias úteis para se manifestar, sendo o silêncio interpretado como acompanhamento tácito do relator. Votos são disponibilizados na íntegra, na medida em que lançados. Ministros podem mudar o seu convencimento e alterar os respectivos votos enquanto a sessão estiver aberta no sistema, sendo que eventuais edições no texto são exibidas em destaque, na plataforma eletrônica.

As referidas adaptações no processamento e julgamento de processos no STF representam importante conquista da cidadania brasileira. Além da considerável redução de custos operacionais e continuidade na entrega da prestação jurisdicional durante a emergência sanitária, o acesso ao STF foi democratizado. Julgamentos por videoconferência e plenário virtual são céleres e viabilizam rigorosa paridade de armas, fundamental para o bom combate processual, ao possibilitar sustentação oral por advogados desprovidos de recursos financeiros para viajar a Brasília. Ministros do STF têm flexibilidade para participar de todas as sessões de julgamento, independentemente de estarem fisicamente no Distrito Federal.

O enfrentamento da Covid-19 constitui teste de resiliência, não apenas humana, mas também institucional. Neste momento excepcional, a habilidade de ser flexível, superar adversidades e adotar novas práticas promove o fortalecimento de nossa Suprema Corte, que certamente não será a mesma após essa experiência transformadora. Resta-nos especular: superada a pandemia, como será o novo normal do STF?

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