"Empregada fujona"

Empregada negra que teve pulso amarrado por sair mais cedo será indenizada

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12 de maio de 2020, 19h37

O Poder Judiciário não pode se eximir de punir atitudes graves que denotam humilhação, discriminação racial e remontam a um estado regido pela escravidão.

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Funcionária teve pulso amarrado, porque "todos deveriam saber o que se faz com empregado fujão"
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Com base nesse entendimento, a 7ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região determinou que a Autoliv do Brasil, empresa de Taubaté que atua no ramo da indústria automobilística, indenize ex-empregada em R$ 180 mil a título de danos morais. A decisão foi proferida nesta terça-feira (12/5). 

Segundo a ação, dois superiores passaram fita crepe nos pulsos da reclamante e em seus próprios braços, prendendo a funcionária a eles. Em seguida “desfilaram com ela pela linha de produção”. 

Os dois homens afirmaram que aquilo não era brincadeira e que “todos deveriam saber o que se faz com empregado fujão”. O episódio teria ocorrido porque a empregada saiu mais cedo no dia anterior. 

A ação dá conta, ainda, de um episódio em que a reclamante foi alvo de assédio moral e racismo. De acordo com os autos, um dos chefes parabenizou a mulher “pelo seu dia”. “A reclamante ficou sem entender o que acontecia pois não era dia de seu aniversário e após indagar por que estava recebendo parabéns, o Sr. Paulo lhe disse: por ser o dia do negro”, em referência ao Dia da Consciência Negra. 

A fala foi confirmada pelo próprio autor da declaração. Ele disse, no entanto, não se recordar de ter se dirigido diretamente à ex-funcionária. O superior aproveitou para afirmar que conhece pessoas negras em seu âmbito familiar e social e que elas foram igualmente parabenizadas.

A reclamante trabalhou na empresa entre 2002 e 2015. 

“Humilhação e racismo”
Segundo a relatora do caso no TRT-15, desembargadora Luciane Storel, os autos deixam claro que a empresa extrapolou o nível de relacionamento saudável e de civilidade e que as atitudes da reclamada denotam a “existência de humilhação e racismo no ambiente de trabalho”. 

“Ficaram comprovados dois episódios gravíssimos, no meu entendimento, inadmissíveis, que esta relatora nunca tinha vislumbrado em qualquer processo e que expuseram a reclamante diante de seus colegas de trabalho”, afirma a decisão.

Ainda segundo a desembargadora, “está patente, pois, que a recorrente deve ser responsabilizada pelos atos praticados por seus prepostos, ante o dever de suportar todos os riscos da atividade econômica”. “A análise da prova dos autos convenceu o MM. Julgador a quo, bem como esta relatora, de que a reclamante, de fato, foi vítima de ofensas à sua dignidade”, afirma a decisão. 

A empregada foi defendida pelos advogados Rafael Borelli e Shayda Daher de Souza. À ConJur, Borelli disse estar satisfeito “com o resultado do processo, tendo em vista que em nosso país ainda vigora um racismo velado”. 

Para ele, “algumas empresas ainda tratam seus empregados com desrespeito e sem nenhuma humanidade, ignorando os mais elementares princípios e normas do Direito do Trabalho”. 

Em primeira instância, a juíza Francina Nunes da Costa, da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, havia fixado indenização no valor de R$ 620 mil, levando em conta que a empresa é de grande porte. 

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0010344-27.2016.5.15.0102

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