Medida desumana

MPF, Defensoria e OAB-RJ são contra uso de contêineres para conter vírus em presos

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11 de maio de 2020, 22h30

O Conselho Nacional de Justiça, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) receberam nesta segunda-feira (11/5) nota técnica do Ministério Público Federal, de Defensorias Públicas, da Ordem dos Advogados do Brasil e de nove instituições contra a construção, em unidades prisionais, de estruturas no estilo de contêineres para, alegadamente, controlar a propagação da Covid-19 na população carcerária.

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Para entidades, é preciso respeitar os direitos humanos dos presos
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O documento, redigido pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional Defesa da Cidadania e encaminhado pela Procuradoria-Geral da República, reúne evidências de que essas construções alternativas, propostas pelo Depen, aumentariam o risco de uma contaminação em massa.

Os autores do documento basearam sua contraindicação em um estudo sobre essa alternativa emergencial produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Fiocruz, além da análise do impacto da construção de contêineres em dois estados (Espírito Santo e Pará). Com base nessas análises, o grupo de trabalho concluiu que os contêineres, em vias de se estabelecer como alternativa nacional, gerariam graves violações de direitos humanos, com danos irreparáveis.

"A proposição manifesta pelo Depen de criação de estruturas alternativas no estilo contêineres, como forma de controle do avanço da pandemia dentro das estruturas carcerárias, marcadas pelo excesso populacional, em celas pequenas e degradadas, sem nenhum auxílio médico adequado, longe de representar uma solução, imporá maior grau de violação aos presos e às presas, aumentando o risco de uma contaminação em massa dentro do sistema carcerário”, diz trecho da nota técnica.

No documento, o CNJ, o Depen e o CNPCP são alertados de que os quatro pesquisadores que estudaram o projeto-modelo do Depen, erguido em Foz do Iguaçu, viram na alternativa um "ambiente nefasto à saúde de seus usuários". Entre outros fatos, os pesquisadores da UFRJ e da Fiocruz citaram o risco dessa estrutura à segurança (como atestaram, segundo eles, as mortes de dez atletas do Flamengo em incêndio em alojamento desse tipo, no ano passado) e à saúde dos ocupantes.

Os pesquisadores destacaram três deficiências dos contêineres: o uso para acolhimento coletivo impede o isolamento social recomendado contra o contágio; eles não têm ventilação natural por descumprir a abertura mínima prevista; e não têm regulação térmica, pois faltam entradas de ar na altura dos usuários. "Desta forma, não é possível obter-se o resfriamento fisiológico dos mesmos, além da renovação do ar", avaliaram os estudiosos.

"O sistema prisional brasileiro padece de superlotação de seus presídios e a criação de novas vagas, mesmo que provisórias, devem responder aos critérios de salubridade e habitabilidade", afirmaram os autores na conclusão do estudo. "A proposta do Depen forçaria uma flexibilização das diretrizes básicas para a arquitetura penal sob o risco de normalizar práticas que desrespeitam a legislação vigente e os direitos básicos do cidadão".

Casos de ES e PA
No documento, foram citados impactos negativos do uso de contêineres nos sistemas prisionais capixaba e paraense. No Espírito Santo, as chamadas "celas metálicas" foram usadas de 2006 até 2011 e geraram relatos de superaquecimento (até 50 graus) e falta de higiene. No Pará, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura recomendou, em 2016, a interrupção do uso de celas em contêineres, mas a medida não foi adotada, o que poderia ter evitado a dimensão do massacre no presídio de Altamira três anos depois (62 presos foram mortos, incluindo incinerados e asfixiados em decorrência das estruturas metálicas).

As instituições citaram que o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o tratamento desumano e cruel dado aos presos e que implicaria graves violações de direitos humanos. Para elas, a proposta do Depen, independentemente da gravidade da pandemia, viola todas as regras do campo dos direitos humanos das quais o Estado brasileiro é também signatário.

Grupo interinstitucional
Coordenado pelo Ministério Público Federal, o Grupo de Trabalho Defesa da Cidadania tem especialistas de outras instituições estatais — Defensorias Públicas (da União e do Rio de Janeiro) e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura — e da sociedade civil: seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, Centro de Assessoria Popular Mariana Criola, Fórum Grita Baixada, Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro, Maré 0800 — Movimento de Favelas do Rio de Janeiro e Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência. No MPF, o grupo de trabalho está ligado à Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.

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