Opinião

As lições que o estado de calamidade deixa para escritórios de advocacia

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9 de maio de 2020, 6h03

Enfrentamos uma crise global sem precedentes, a maior da nossa geração. Muitas das decisões tomadas por empresas e governos nas próximas semanas provavelmente definirão o futuro da humanidade nos próximos anos. Diariamente são implementadas mudanças nos sistemas de saúde, na economia, na política e na cultura. Sobreviverá quem agir de forma rápida e decisiva.

Artistas, impedidos de realizar shows, agora optam pelas lives. Escritórios de advocacia, que antes contavam com poucos colaboradores em trabalho remoto, agora operam 100% em home office. O Poder Judiciário segue a tendência para não suspender a prestação jurisdicional. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, adotou o Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência (RDAU), que não reduziu a produtividade dos magistrados. Muito pelo contrário: com o uso de ferramentas de teletrabalho, videoconferência e escalas de plantão, os magistrados e servidores superaram no último mês os índices de março de 2019, ano em que o TJ-RJ foi reconhecido pelo CNJ como o tribunal mais produtivo do país pelo décimo ano consecutivo. O Tribunal de Justiça da Bahia iniciou, esta semana, sessões de julgamento transmitidas pelo Youtube, com sustentação oral feita pelos advogados por chamada telefônica.

Vários escritórios de advocacia completaram o primeiro mês operando 100% em home office, com resultados que em muitos casos revelam aumento de produtividade de suas equipes. Por meio da utilização de várias ferramentas tecnológicas apropriadas, consegue-se avaliar a movimentação dos tribunais através do acompanhamento de atos processuais e combinar estes dados com a demanda da equipe jurídica para gerar indicadores relevantes para a gestão de suas carteiras.

Algumas bancas de advocacia já estavam preparadas para essa virada porque possuíam o famoso plano B, com sistemas web (na nuvem), ferramentas de videoconferência, jurimetria e links backups de internet. Faltava apenas o malsinado empurrão de uma pandemia para conseguir estender em poucos dias o home office para centenas ou mesmo milhares de colaboradores distribuídos pelo país inteiro.

A forma de gerir um grande escritório de advocacia, já há algum tempo, mudou e a tomada de decisões passou a ser feita com base em dados. Ferramentas de tecnologia como robôs e APIs (Aplications Programming Interface), que permitem a integração entre sistemas, entre outras, já eram uma realidade na "advocacia 4.0". Com a pandemia, estamos diante de uma quebra de paradigma, pois efetivamente tudo pode ser feito em qualquer lugar.

A realidade hoje não é apenas da "advocacia 4.0", conceito ligado à Quarta Revolução Industrial. Na verdade, estamos diante do surgimento da "advocacia 5.0", em que a tecnologia permite trabalhar de forma descentralizada, remota, com equilíbrio entre a tecnologia e os operadores do Direito. Neste contexto, inteligência artificial, bigdata e internet das coisas (IoT) são usadas para criar soluções com foco nas necessidades dos envolvidos independentemente da localização de cada um. O conceito '5.0" surgiu num projeto do governo japonês de "sociedade 5.0", que busca equilibrar o avanço econômico com a resolução de problemas sociais, proporcionando serviços necessários para o bem-estar a qualquer hora, em qualquer lugar e para qualquer pessoa.

As distrações naturais do trabalho remoto — numa situação normal, sem isolamento social — não existem agora. Infelizmente não é possível viajar, confraternizar num barzinho, ir ao cinema ou mesmo jantar fora. E ninguém sabe por quanto tempo enfrentaremos o isolamento social. Estamos em nossas residências e o trabalho acaba sendo uma boa alternativa para enfrentar o confinamento. O tempo passa mais rápido trabalhando, é mais produtivo, e pode ser até divertido.

Nesse contexto, é preciso levar em consideração todas as consequências a longo prazo dessas opções. Entre as alternativas, há que se considerar não apenas como vencer a ameaça imediata, mas também como a sociedade funcionará após a tempestade. Sim, a tempestade passará, a humanidade sobreviverá, pois a maioria de nós ainda estará viva — mas habitaremos um mundo diferente. Muitas pessoas e empresas não sobreviverão. E quem sobreviver adotará novos hábitos, que serão incorporados ao cotidiano.

Não são raros os relatos de bancas de advocacia que estão produzindo mais do que antes do confinamento social, já que sem o deslocamento dos advogados até as sedes dos respectivos escritórios o tempo é melhor aproveitado.

Ferramentas como Google Meet,Teams e VPN passaram a ser utilizadas com mais intensidade no dia a dia. As reuniões com clientes, que não raro implicavam deslocamentos aéreos, agora são realizadas pontualmente, sem custos e sem todo o transtorno que uma viagem aérea exige.

Dias atrás a revista americana "The New Yorker" relembrou um caso curioso: em 1846 ocorreu um surto de sarampo nas Ilhas Faroe, no Oceano Atlântico e 100% da população foi contaminada. Sessenta e cinco anos depois, houve outra epidemia de sarampo e todo mundo novamente foi contaminado, menos os que tinham mais de 65 anos: eles estavam imunizados desde o surto anterior.

Sobreviverão as empresas que se adaptarem mais rapidamente à nova realidade que a Covid-19 impõe a todos. Estarão preparadas para superar qualquer tipo de crise. Crescerão empresas de segmentos como e-commerce, produtos de higiene, telecomunicações e escritórios de advocacia adaptados à nova realidade. E, mesmo após o fim do confinamento, habitaremos um mundo diferente, onde a competência será ainda mais um diferencial, pois não teremos tantas chances para erros. Afinal, o mercado estará repleto de bons profissionais capacitados para assumir um posto de trabalho.

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