Expressão corriqueira

Tratar a parte como devedor contumaz em ação consumerista não causa dano moral

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9 de maio de 2020, 14h30

Advogado que se refere à parte adversária como "devedora contumaz" não fere direitos de personalidade. Afinal, esta é uma expressão comum inserida em peças genéricas, quase padronizadas, de demandas consumeristas e que não refletem a intenção de violar a honra subjetiva de ninguém.

Por isso, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que negou dano moral a uma mulher que sentiu desrespeitada e agredida moralmente pelo uso desta expressão por parte dos advogados da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL).

O relator da apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, disse que as palavras proferidas pelos advogados do CDL Porto Alegre no curso da ação consumerista (em que a autora se saiu vencedora) não têm o "condão de caracterizar excesso punível". A seu ver, o uso da expressão se deu dentro do contexto daquela ação, na qual se discutia se a autora era ou não devedora de uma dívida com a loja.

"A bem da verdade, então, o que se percebe é que essa ação consiste em uma tentativa forçosa da autora de locupletamento indevido. E digo forçosa porque, na inicial, a autora, a fim de justificar o dano moral sofrido por ter sido chamada de devedora contumaz, chega a associar a conduta da ré a um dos períodos mais sombrio e grave já vivido por esse país – no qual pessoas foram perseguidas, torturadas e mortas por um regime autoritário", escreveu no voto. O acórdão, com decisão unânime, foi lavrado na sessão de 22 de abril.

Como tudo começou
O litígio é desdobramento de uma ação ajuizada pela autora, em março de 2016, contra as Lojas Renner e o CDL Porto Alegre, protocolada sob o número 001/1.16.0027231-3 na 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. Naquela demanda, ela reclamou que teve o seu nome negativado junto ao cadastro do CDL Porto Alegre de forma injusta, sem notificação prévia, por um débito que não contraiu, no valor de R$ 1,5 mil. Em sentença proferida exatamente um ano depois, o juiz Sandro Silva Sanchotene deu ganho de causa à autora. Ele declarou nulo o débito e condenou a loja ao pagamento de danos morais no valor de R$ 3,5 mil.

"A autora não poderá ser compelida de produzir prova negativa de que não recebeu a 2ª via do cartão e de que não efetuou as compras, razão pela qual vai declarada a inexistência do débito e determinado o cancelamento da restrição", registrou a sentença.

O julgador, no entanto, julgou improcedente a ação em relação ao CDL, por não vislumbrar ato ilícito que justifique o dever de reparar os danos morais. "O órgão de restrição não responde pela existência ou não do débito, uma vez que age conforme orientação dos associados [lojistas]. Sua responsabilidade está restrita à notificação prévia", arrematou Sanchotene.

Inconformada com o valor da indenização, a autora apelou ao Tribunal de Justiça, pedindo a majoração do quantum. Na sessão de julgamento do dia 31 de outubro de 2017, os desembargadores da 23ª Câmara Cível, de forma unânime, entenderam que o valor fixado não foi razoável nem proporcional à extensão do dano sofrido, além de se encontrar muito aquém dos parâmetros fixados na Corte. Por isso, elevaram o valor da indenização para R$ 9,3 mil.

Segundo round
Quatro meses após ter ajuizado a primeira ação, a autora voltou à Justiça, agora especificamente contra o CDL Porto Alegre. É que, ao contestar aquela ação, a defesa da entidade empregou a expressão "devedora contumaz" para se referir à autora.

Neste novo pedido de danos morais, ela informou que o único débito que possui é aquele objeto da ação contra a Renner e o CDL, por indevida cobrança e negativação do seu nome em cadastro de crédito. Logo, não poderia ser chamada de "devedora contumaz". Assim, a referência na peça processual lhe trouxe humilhação e vexame, causando abalo moral.

Sentença improcedente
A Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, na Comarca de Porto Alegre, julgou improcedente a ação. Nas razões de decidir, a juíza Luciana Torres Schneider pontuou que a manifestação do réu está dentro do contexto da ação de negativa de débito. Afinal, o nome da autora estava cadastrado no CDL por dívida não paga, o que, até prova em contrário, naquele momento, permitia tal conclusão pela parte ré.

A julgadora disse que o mero transtorno, incômodo ou aborrecimento não se revelam suficientes à configuração do dano moral. "O direito deve reservar-se à tutela de fatos graves, que atinjam bens jurídicos relevantes, sob pena de se levar à banalização do instituto, com a constante reparação de diminutos desentendimentos do cotidiano", complementou na sentença.

Luciana observou ainda que, salvo excessos, as manifestações do advogado, em juízo ou fora dele, não podem ser tomadas como injuriosas ou difamatórias, como prevê o parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). Por fim, citou o inciso I do artigo 142 do Código Penal. O dispositivo diz que não constitui injúria ou difamação punível "a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador".

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Processo 001/1.16.0099231-6 (Comarca de Porto Alegre)

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