Opinião

Medidas Provisórias não são o melhor caminho para questões trabalhistas

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8 de maio de 2020, 9h29

Insegurança jurídica não é um conceito propriamente jurídico. Seria um conceito sociológico, que poderia ser traduzido como a imprevisibilidade quanto ao resultado de julgamentos sobre uma mesma matéria, em razão das várias interpretações, até mesmo contraditórias, que os tribunais adotam sobre uma mesma norma jurídica, ou que até um mesmo tribunal adota sobre uma mesma norma jurídica.

A insegurança, nesse caso, não é da norma jurídica, que permanece hígida, nem dos tribunais, que afinal atuam nos limites dos seus poderes institucionais, mas, sim, dos agentes sociais envolvidos, que têm dificuldade de prever os resultados das suas ações, uma vez que não se tem como saber qual será o resultado de uma determinada conduta que venha a ser levada a julgamento.

Assim, por exemplo, sem que a lei tivesse sido alterada, o STF alternou seguidas vezes seu entendimento sobre o cabimento da prisão de réu condenado após decisão de segundo grau de jurisdição.

De certa forma, essa multiplicidade de entendimentos sobre uma mesma norma, conquanto possa, em casos mais graves, gerar insegurança nos agentes sociais envolvidos, é um fenômeno intrínseco à própria existência social da norma, sujeita à interpretação de pessoas diferentes, em condições históricas, geográficas e sociais diferentes.

Na verdade, essa divergência de interpretações, se encaminhada de uma maneira institucionalmente adequada, é positiva, pois faz a jurisprudência evoluir. Não fosse assim, seria impossível aplicar os dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, ao mundo de hoje.

Mas se há uma necessária e natural insegurança de interpretação em relação às leis, e portanto alguma insegurança em todo o fenômeno jurídico, nem sempre há insegurança em relação ao Direito em si, como vem ocorrendo, atualmente, no país.

Se a insegurança jurídica é possibilidade de entendimentos variados sobre uma mesma norma, a insegurança do Direito pode ser considerada a inusitada precariedade da existência das próprias normas jurídicas positivas. Insegurança do Direito seria a insegurança de não saber se a norma que existe hoje continuará existindo amanhã.

Contrariando a ambição de perenidade das leis, que são editadas para regulamentar as relações sociais desde sua edição até o futuro que é possível vislumbrar, três Medidas Provisórias sobre assuntos da maior relevância social acabaram não se convertendo em leis.

A Medida Provisória nº 808, que regulamentava contrato de trabalho intermitente, autônomos, acordo de compensação de jornada, gorjetas, etc., caducou por não ter sido votada. Depois, a Medida Provisória de nº 873, que regulamentava recolhimento de contribuição sindical, também caducou por não ter sido votada. E, mais recentemente, a relevantíssima Medida Provisória nº 905, que criava o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, e, além disso, tratava também de participação nos lucros, prêmios, repouso remunerado e inúmeras outras questões, foi "revogada" por outra Medida Provisória no último dia antes de caducar, com a promessa de edição de uma nova MP sobre o tema.

Porém todas elas, antes de perderem a validade, vigoraram como lei: impuseram direitos e deveres, geraram obrigações, rotinas, planejamentos, projetos, cálculos, estudos, pareceres, etc.

É incalculável o custo que a vigência provisória dessas Medidas Provisórias gerou para empresas, empregados e sindicatos. Ainda pior do que um sistema legal trabalhista ultrapassado como o brasileiro é um sistema trabalhista inseguro, com normas oscilantes, que trazem mudanças significativas mas que depois, por questões políticas, sejam elas quais forem, simplesmente deixam de existir.

A pandemia da Covid-19 fez as atenções voltarem-se para o mundo do trabalho, e em especial para o Direito do Trabalho. A questão jurídica mais importante passou a ser a questão sobre como manter os empregos e os salários. Redescobriu-se que o Direito do Trabalho tem uma relevância social única. De fato, uma mudança de poucos graus no eixo dos direitos e deveres entre patrões e empregados pode gerar consequências sociais graves.

O insucesso das natimortas Medidas Provisórias demonstra que elas, por melhores que sejam, não são o melhor caminho para tratar de questões trabalhistas, salvo nas raras hipóteses de questões realmente emergenciais, como foi o caso, aliás, das Medidas Provisórias recentemente promulgadas para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, as Medias Provisórias 927 e 936.

Nesse caso, sim, o instrumento foi bem utilizado, e mesmo que venham a caducar terão gerado efeitos positivos para aquilo que era o objetivo delas.

Porém, as alterações de questões trabalhistas que não sejam prementes, matérias que lidam com o contexto geral de direitos e deveres de empresas e empregados, devem ser buscadas pelo caminho mais humilde, conquanto mais trabalhoso, de um projeto de lei que, na sua tramitação normal, e por meio do diálogo entre as várias forças sociais envolvidas, mas sem a pressa do calendário de tramitação das Medidas Provisórias, traduza de fato o melhor entendimento político-legislativo possível sobre a matéria e se concretize numa lei que não venha a desaparecer meses depois.

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