Opinião

É preciso falar mais sobre o sistema acusatório

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  • Gustavo Dias Kershaw

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco mestrando em Criminologia e Justiça Criminal pela Universidade de Edimburgo e em Perícias Forenses pela Universidade de Pernambuco especialista em Direito do Estado pela Faculdade Estácio do Pará (FAP) e em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e professor especialista I no Centro Universitário Maurício de Nassau (Uninassau/Recife)

8 de maio de 2020, 13h15

O entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal é de que a Constituição da República adotou o sistema acusatório como norteador da persecução penal no Brasil. À luz do sistema acusatório, de viés nítido e incontestavelmente democrático, a gestão da prova pelo Estado-juiz não é bem-vinda. Aliás, é este critério — a gestão da prova — que diferencia o sistema acusatório do inquisitorial. No sistema acusatório, a atuação do juiz substituindo-se às partes é uma excrescência.

O juiz deve manter-se imparcial e equidistante, destinatário que é da prova validamente produzida pelas partes. A adoção do sistema acusatório impede que o Estado-juiz adote medidas que não se compatibilizem com a equidistância necessária à gestão do processo, mormente em termos de iniciativa na produção de prova. Não é suficiente que haja papéis distintos (Estado-juiz x Estado-acusação), é necessário que cada um aja em conformidade com seus espaços de atuação. Juiz que produz prova tem sua imparcialidade comprometida.

"Portanto, é reducionismo pensar que basta ter uma acusação (separação inicial das funções) para constituir-se um processo acusatório. É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e, portanto, é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes. Somente isso permite a imparcialidade do juiz" (LOPES JUNIOR, 2017, p. 176).

No Código de Processo Penal, todavia, anda há muito no descompasso da Carta Magna, retroalimentado que é por uma ideia falsa de que "juiz bom" é o que "põe a mão na massa" e, muitas vezes, atua no processo como se parte fosse.

Recentemente, com a edição da Lei Federal nº 13.964/2019 (Lei Anticrime), o novo artigo 3º-A previa que "o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação". No entanto, o dispositivo teve sua eficácia suspensa em razão da decisão monocrática do relator no STF, Ministro Luiz Fux. A decisão foi no sentido da suspensão "da implantação do juiz das garantias e seus consectários" (ADI 6.299-DF, 22/01/2020). Contudo, o que esse dispositivo disciplina vai além do juiz das garantias.

Indo mais fundo, a decisão do relator foi mais ampla naquilo que já havia sido analisado pelo ministro presidente do STF, em 15/1/2020, no exercício do plantão judicial. O ministro Dias Toffoli, ao suspender a eficácia de alguns dos dispositivos da Lei Anticrime, não alcançou o artigo 3º-A. E mais, a decisão do relator não apresentou fundamentos concretos quanto à inconstitucionalidade material desse dispositivo.  

Com efeito, o dispositivo citado, apesar de inserido no novo capítulo do famigerado juiz das garantias, consagra na legislação processual penal o que o STF reiteradamente já decidiu e consagra, com mais propriedade, o sistema processual acusatório no Código de Processo Penal.

Referência bibliográfica
Lopes Júnior, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. — 3. ed. — São Paulo: Saraiva, 2017.

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