Opinião

A necessidade de determinar início e fim do processo no Direito Penal

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7 de maio de 2020, 6h04

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, dispõe que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação"ou seja, todo cidadão tem o direito a uma duração razoável do processo. Mas o questionamento a respeito do inciso em comento é: qual seria a duração razoável do processo penal?

No ordenamento jurídico pátrio não existe um tempo determinado para a duração do processo penal, o que muitas vezes pode acarretar em processos longos, gerando uma sensação de inquietude na sociedade que é externada na forma de impunidade e, além disso, é possível observar que para estancar essa sensação ocorre o atropelamento de direitos e garantias fundamentais para um resultado mais célere. Diante desse cenário, o presente artigo analisa como a falta de um lapso temporal determinado pelo legislador para o processo penal reflete na sociedade e na supressão de direitos e garantias fundamentais do réu.

A conclusão do presente artigo é que o autor Aury Lopes Júnior (2018) apresenta em sua obra Direito Processual Penal um referencial adotado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que pode ser um norte para estudos técnicos sobre um possível lapso temporal de início e fim do processo penal.

É interessante destacar que no século XVIII Cesare Beccaria já mencionava a necessidade de um tempo determinado no processo penal. No livro dos delitos e das penas, o autor em comento já mencionava essa questão de duração x tempo, in verbis:

"Cabe exclusivamente às leis fixar o espaço de tempo que se deve empregar para a investigação das provas do delito, e o que se deve conceder ao acusado para a sua defesa". (BECCARIA, 2015, página 47).

Seguindo nessa linha de raciocínio, o autor salienta ainda: "Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possível. É preciso, porém, que esse tempo seja bem curto para não retardar demais o castigo, que deve seguir de perto o crime, caso se queira que esse castigo seja um freio útil contra os celerados". (BECCARIA, 2015, pag.47)

Passados os anos, atualmente esse tema ainda é passível de estudo. O Pacto de São José da Costa Rica, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, nº5, dispõe que "toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo" (grifo da autora).

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, transcreveu do Pacto de São José da Costa Rica, como direito fundamental de todo cidadão, a duração razoável do processo, in verbis:

"Artigo 5º, LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Aury Lopes Júnior menciona ainda que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a "doutrina do não prazo", ou seja, não existe um limite temporal definido para o início e o fim do processo. A falta de um lapso temporal determinado no processo penal corrobora para processos excessivamente demorados e o reflexo disso é uma relativização de direitos e garantias fundamentais do réu, para acalmar o inflado discurso de impunidade reinante no país.

A demora excessiva do processo penal apresenta os primeiros efeitos negativos para o réu porque, conforme salienta Aury Lopes Júnior, à medida que o tempo vai passando, o princípio da presunção de inocência é enfraquecido e, assim, o réu é vislumbrado perante a opinião popular como culpado, mesmo sem uma decisão condenatória transitada em julgado. Ademais, com o esvaziamento da presunção de inocência, o direito à ampla defesa e ao contraditório é relativizado, seja em alguma fase processual ou nos recursos interpostos pela defesa. Além disso, nos dizeres do autor em comento, o processo penal em si mesmo já é uma pena, porque a incerteza, a angústia para saber se é inocente ou não provoca uma pena psicológica no réu e a demora na decisão judicial agrava esse sentimento. E, perante a sociedade, os efeitos negativos são que o Estado é visto como incompetente na prestação jurisdicional e a opinião pública infla e agrava o discurso do fim da impunidade reinante no país, colocando pressão no Poder Judiciário para uma celeridade maior.

Mas existe algum norte a ser seguido para que a duração razoável do processo penal não seja abrangente? Sim. Aury Lopes Júnor apresenta em sua obra um referencial utilizado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela falta de tempo determinado na duração do processo, quais sejam, a complexidade do caso, atividade processual do interessado, a conduta das autoridades judiciarias como um todo e o princípio da razoabilidade.

A conclusão do presente artigo é que seria interessante para o ordenamento jurídico brasileiro e para a comunidade acadêmica um estudo, um debate técnico acerca de um possível lapso temporal de início e fim duração do processo, levando em consideração o referencial apresentado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e pela Comissão interamericana de Direitos Humanos, para evitar a relativização das garantias fundamentais do cidadão e oferecer uma prestação jurisdicional efetiva.

 

Referências bibliográficas
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas; tradução de Paulo M. Oliveira; prefácio de Evaristo de Moraes. – 2. ed. São Paulo: Edipro, 2015, pág. 47-50.

BRASIL. Planalto. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: 19.04.2020.

LOPES, Aury Júnior. Direito Processual Penal. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. pág. 76-93.

TRATADO INTERNACIONAL. Convenção americana de direitos humanos 1969. (Pacto de são José da Costa Rica). Disponível em: < https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm > Acesso em: 18.04.2020.

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