Opinião

Pagamento antecipado em licitações e outras inovações da MP 961

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

7 de maio de 2020, 17h48

A instabilidade de condições comerciais e a dificuldade de obtenção de produtos de combate à epidemia da Covid, nos mercados nacional e internacional, além da oscilação cambial atípica e dos obstáculos logísticos, levaram à edição da Medida Provisória nº 961, de 06 de maio de 2020, que chegou quebrando paradigmas das licitações e contratações públicas.

1 – Elevação de valores para dispensa de licitação
Ante a necessidade de melhor suprir as demandas imediatas de menor porte, corrigindo a defasagem de limites de valores de dispensa de licitação da Lei nº 8.666/93, a medida provisória, em seu artigo 1º, inciso I, eleva, para a administração pública, em todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, os valores de obras e serviços de engenharia, antes de R$ 33.000,00, para R$ 100.000,00, além dos valores das compras e outros serviços, antes de R$ 17.600,00, para R$ 50.000,00.

Com isso, ficam valores idênticos aos constantes da Lei nº 13.303/2016 (Estatuto das Estatais).

2 – Pagamento antecipado em licitações e contratos
Em meio à pandemia, quando um negócio era tratado, até que ocorressem as etapas formais de contratação e a importação de produtos médico-hospitalares, as condições já não ficaram mais viáveis para a concretização do contrato, que acabava com entrega de produtos não realizada, sendo detectado que um dos principais fatores era a exigência de fabricantes internacionais de que pagamentos fossem feitos de forma antecipada, diante de pressão de demandantes públicos ou privados de vários países.

Para superar a dificuldade em relação ao pagamento, que para estrangeiros e brasileiros tinha um fator de risco de recebimento, o que afastava muitos fornecedores, houve a necessidade de ceder e aceitar as condições do mercado atual, como se encontra não apenas no Brasil, mas no exterior, de onde a maioria dos produtos, como testes de diagnóstico e outros, além de insumos, ainda estão sendo trazidos.

Assim, o artigo 1º, inciso II, da medida provisória, autoriza o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração em duas hipóteses:

a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço (no mercado atual, diante da pandemia, muitos fornecedores, especialmente estrangeiros, somente trabalham dessa forma); OU

b) propicie significativa economia de recursos (o estado consegue ganho ao passo que incentiva o particular a fechar o negócio).

Mas para que o pagamento antecipado possa ser adotado foram estabelecidos requisitos a cargo da administração, como cautelas obrigatórias:

I – prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta (para que se tenha vinculação e segurança jurídica desde início do processo de compra); e

II – exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto (algo que espelha jurisprudência de anos do Tribunal de Contas da União, no sentido de que, para adiantar pagamentos, superando normas da Lei nº 4.320 e da Lei nº 8.666, se deveria exigir garantia do valor antecipado com recursos públicos).

Facultativamente, como se depreende do termo “poderá”, segundo o parágrafo segundo da norma, algumas medidas podem ser adotadas, para a segurança da contratação, que devem ser hábeis a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como (rol exemplificativo):

I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente (o que flexibiliza a aceitação por parte dos fornecedores e vai além do que se tem de promessa firme de compra);

II – a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto (nesse ponto vai além da tradicional jurisprudência do Tribunal de Contas da União ao fixar um percentual específico de garantia, menor que aquele valor adiantado, mas medida justificável agora em face da realidade de mercado na pandemia);

III – a emissão de título de crédito pelo contratado (embora no Brasil isso possa ser factível, para o mercado exterior, nas importações diretas pelos entes públicos, isso pode não ser simples, pois alguns fabricantes e fornecedores não aceitam essa condição e a garantia de outro país vai precisar de segurança de um banco garantidor no Brasil, que possa conferir credibilidade para a execução daquela garantia);

IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração (como enviar previamente técnicos ou autoridades sanitárias brasileiras ao local do embarque no exterior para aferir as características técnicas e as outras especificações e quantidades dos produtos embarcados em uma compra internacional, por exemplo, sendo medidas de mesma natureza muito mais simples para uma compra nacional, para verificação dos produtos, na logística local); e

V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor (esse ponto diz respeito, mais precisamente, a registros como os de ANVISA a agências internacionais congêneres, bem como, certificação de certificação de boas práticas de fabricação de cada unidade fabril).

3 – Ampliação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas
O artigo 1º inciso III, da medida provisória autoriza a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, de que trata a Lei nº 12.462/2011, para licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações, quando antes isso era delimitado aos projetos dos grandes eventos esportivos (Copa, Olimpíadas e outros), aeroportos, PAC, SUS, unidades prisionais, ações em segurança pública, mobilidade urbana, infraestrutura logística e contratos de locação de imóveis comprados, construídos ou com reforma substancial para aquela finalidade específica da demanda da Administração.

Agora, a ampliação do RDC para “quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações” leva a mais consequências inovadoras, como a possibilidade de inversão a fases das licitações e da expansão da idéia de projetosturn key” (“chave na mão”), nos quais o particular tem a liberdade de trabalho desde a concepção de projetos, mas também arca com o conjunto de etapas até a entrega completa de algo funcional, como um hospital por inteiro, com a entrega das chaves.

4 – Vigência limitada mas resultados que se prolongam adiante
Apesar de constar no artigo 2º da medida provisória que as medidas previstas em seu texto se aplicam aos atos realizados durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (pandemia da Covid-19), é importante notar que, de acordo com o seu parágrafo único, o disposto na nova norma aplica-se aos contratos firmados no período de que trata o “caput”, do artigo, independentemente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogações.

Isso significa fazer até o final do ano contratos em novo ambiente de regulação de contratações pública, mas deixar legados para o futuro, o que chama atenção.

5 – Conclusões
Em síntese, o direito das licitações e contratações públicas tem um novo momento, que deve deixar com pouca expressividade a maioria dos antigos conceitos e normas e até projetos de lei em andamento, porque resultados das inovações dessa medida provisória podem acabar motivando mudanças definitivas.

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