Opinião

É hora de cooperação e também de uma releitura do Direito

Autor

  • Bianca Delgado Pinheiro

    é coordenadora do Departamento Tributário do escritório Rolim Viotti Goulart e Cardoso Advogados professora de Direito Tributário em cursos de pós-graduação MBA autora de artigos e capítulos de livros publicados e palestrante em seminários e congressos pós-graduada em Gestão Corporativa de Tributos conselheira no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais–CARF (2011-2014)

7 de maio de 2020, 7h09

A pandemia da Covid-19 trouxe, repentinamente, um novo cenário mundial. Em um primeiro momento, com o isolamento social e o trabalho em casa, ou não, a reflexão alcançou a todos, independentemente de posição, classe social ou origem. A revisão de conceitos, ajustes de situações e rotinas foi inevitável.

Diversos posicionamentos entre governantes, disputas políticas e intensos debates em torno de "o que fazer” e "como e quando fazer". Com tudo isso, certo é que o momento é de cooperação. Cooperação entre entes federados, cooperação entre privados, entre pessoas jurídicas e entre pessoas físicas. Cooperação entre um e outro.

Quanto aos entes federados, é o momento de convergirem esforços no estabelecimento de políticas públicas para combater a pandemia em coerência com a vontade do povo manifestada no artigo 23, inciso II, c.c. artigo 24, inciso XII, da Constituição da República.

Sem cooperação mútua dos entes federados e dos particulares neste momento ensejador de grave crise econômica, não há como recuperar o país e "sobrevivermos" com menor prejuízo.

A releitura do Direito também se faz presente e necessária, especialmente em relação aos princípios constitucionais, clamados e aclamados com veemência.

Deve-se sobrelevar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, garantindo, neste período, que as normas sejam inteiramente direcionadas à pessoa, com adequações de forma a equacionar os problemas decorrentes do novo cenário garantindo a sobrevivência e a recuperação dentro da estrutura social e econômica, conforme preceito inserido no artigo 170 da Constituição da República, ao prescrever "ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".

Motivo de força maior norteia o mundo e permite flexibilizar, alterar e reajustar as relações.

Atualmente, há que prevalecer a cláusula rebus sic stantibus, que instrumentaliza a teoria da imprevisão. A clausula pacta sunt servanda, antes representativa da segurança jurídica, hoje reflete absoluta insegurança jurídica, enfraquecendo-se para dar lugar à necessária revisão contratual e a prevalência de princípios e institutos que permitam a adequação dos direitos e obrigações ao contexto fático-econômico atual.

Mais uma vez, a cooperação vem à tona, o contrato regendo-se pela boa-fé e a cooperação mútua.

E tal cooperação deve também se fazer valer nas relações tributárias, admitindo-se flexibilização das obrigações tributárias, prorrogação dos prazos de recolhimento e suspensão de medidas de cobrança que, certamente, não levarão ao pagamento/recebimento, ensejando, ao contrário, a "quebradeira" geral.

E, se assim não entenderem os entes arrecadadores, com edições de instrumentos legais nesse sentido, que assim entenda o Judiciário (é o que esperamos), proferindo decisões que prorroguem vencimentos de pagamentos de tributos, inclusive parcelados, por alguns meses apenas, mas o suficiente para que o contribuinte tenha "fôlego" para "respirar e sobreviver" na atual e desastrosa conjuntura.

E não há que se falar em arguir indevida sobreposição dos direitos individuais sobre os coletivos. Neste momento de crise geral, há que se pensar que reajustes, reagendamentos e mesmo moratórias são fundamentais para a sobrevivência dos contribuintes, sendo certa a modificação repentina da capacidade contributiva. Ora, empresas paralisaram suas operações em razão do isolamento e da primazia da saúde; pessoas perderam sua condição de trabalho e remuneração. Voltando ao princípio maior neste momento cooperação, cooperar para que todos consigam retomar suas atividades e, assim, contribuir para a recuperação econômica é favorável, senão dizer, necessário à coletividade.

Portanto, é inevitável e necessário flexibilizar, negociar, reajustar, reler o Direito e, acima de tudo, cooperar, das mais diversas formas, para que seja possível a retomada econômica do país, com atenção à própria ordem econômica apregoada na Constituição da República (artigo 170),  equacionada pelo debate e pela cooperação dos entes políticos, amoldando-se ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, observando-se o estímulo à continuidade do livre exercício da atividade econômica, que permitirá a aplicação da busca pelo pleno emprego.

Cooperação geral e mútua, já que a crise alcançará a todos e os efeitos positivos no aceleramento da recuperação econômica serão refletidos favoravelmente à coletividade.

Autores

  • Brave

    é coordenadora do Departamento Tributário do escritório Décio Freire Advogados, professora de Direito Tributário em cursos de pós-graduação e MBA e ex-conselheira no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais — CARF/MF.

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