Opinião

As instituições republicanas dão cotidianos sinais de vigor

Autor

  • José Carlos Abissamra Filho

    é advogado criminal doutor e mestre pela PUC-SP ex-diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e autor de Política Pública Criminal - Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais (Juruá Editora).

7 de maio de 2020, 6h32

O presidente da República sai às ruas, desafiando o isolamento social; volta atrás; torna a sair às ruas e volta atrás… Tem sido assim desde o início da quarentena, à qual muitos aderiram voluntariamente, diante da seriedade do problema.

O comércio foi fechado pelos governos estaduais, é verdade, mas ninguém está proibido de sair de casa. O que tem acontecido é que as pessoas aderiram à quarentena por medo, preocupação, pelas orientações médicas e por compaixão aos próximos, aos mais velhos e às pessoas do grupo de risco de uma forma geral.

O presidente da República não se conforma: falou próximo das pessoas; passou a mão no nariz e cumprimentou uma senhora (evidentemente, do grupo de risco), contrariando todas as regras escritas, faladas e de bom senso; demitiu o ministro da Saúde; foi a manifestações; referendou AI-5; atacou o Supremo; enfim, tentou instalar talvez a mais séria crise institucional desde a redemocratização do país e voltou atrás, tendo repreendido um militante seu, dizendo que não era para falar "fecha o Supremo" e que aqui é uma democracia… Tudo ao seu estilo.

Mas o objetivo do presente artigo não é discutir esses temas cansativos, dando assunto para quem o caça. Uma expressão antiga, quando alguém inventava uma picuinha a troco de nada, era dizer que essa pessoa caçava assunto, exatamente como vem fazendo o presidente para animar a sua militância. Paciência. Foi eleito. Ainda que em queda, tem alguma aprovação. Teremos que conviver com isso, sempre atentos, é claro, com Congresso Nacional, Poder Judiciário, imprensa, órgãos e demais instituições dando rumos à nossa democracia, pois do governo não sai nada.

Chegamos a um ponto em que o próprio ministro da Justiça fez a opção de abandonar o governo, preferindo a sua biografia e a ordem jurídica. Fez bem. O lado da legalidade e da ordem jurídica, da democracia, da República, da responsabilidade, é o lado certo da história.

Nos últimos anos, estivemos vigilantes, defendendo sempre a manutenção da ordem jurídica democrática, segundo a nossa Constituição Federal.

Conforme o ministro Celso de Mello, ao analisar a Petição 8.802, para deferir "a instauração de inquérito destinado à investigação penal dos fatos noticiados" pelo então ministro da Justiça: "Nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia de República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado. (…) Não custa insistir, neste ponto, na asserção de que o postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações, impedindo que se estabeleçam tratamentos seletivos em favor de determinadas pessoas e obstando que se imponham restrições gravosas em detrimento de outras, em razão de sua condição social, de nascimento, de parentesco, de gênero, de amizade, de origem étnica, de orientação sexual ou de posição estamental, eis que nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República, sob pena de transgredir-se o valor fundamental que informa a própria configuração da ideia de República, que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade".

Não é preciso dizer mais nada. O torpor no qual as nossas instituições democráticas estiveram durante algum tempo parece ter cedido espaço à lucidez novamente. Que assim seja daqui para frente. Que os novos ares venham, trazendo ainda mais vigor ao nosso sistema democrático, o qual tem trabalhado valentemente, enfrentando talvez os maiores desafios desde 1988.

A lucidez vencerá o obscurantismo, conforme a epígrafe da nossa Carta Magna, sob a proteção de Deus!

Democracia não se constrói sem alguns embates e sem alguns testes sobre a nossa capacidade institucional. Estamos no caminho certo, dando provas cotidianas de que a nossa República democrática tem ainda muito vigor. Iluminados pelas palavras do ministro Celso de Mello e sob o manto da nossa Carta Magna, seguiremos, pacientemente, adiante. Ninguém está acima da lei!

Autores

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    é advogado criminal e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Membro das comissões especiais de Processo Penal, de Direito Penal e de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP.

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