Opinião

A dispensa de licitação durante a Covid-19

Autor

  • Bruno Teles

    é sócio do escritório Rocha Araújo & Arrais Advogados Associados pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pela UNI7 e em LLM Business Law e Gestão pela UNIFOR.

6 de maio de 2020, 10h38

A pandemia global causada pelo coronavírus trouxe impactos grandiosos na economia, nas relações sociais e, principalmente, na saúde pública, tendo em vista a necessidade de gestores utilizarem ações compostas de flexibilidade e rapidez o que representa um grande desafio na realidade brasileira, seja pela baixa resolutividade comumente observada nos procedimentos administrativos, seja pelo excessivo burocratismo.  

Com os mecanismos legais que permitem às entidades governamentais as aquisições diretas (ou seja, sem licitação) de bens, serviços e obras, desde que preenchidos todos os requisitos legalmente estabelecidos, cresce a preocupação da população sobre a possibilidade de desvios dos recursos públicos e a ausência de fiscalização nesses procedimentos.

Na modalidade de dispensa de licitação, a realização do procedimento licitatório se mostra objetivamente contrária ao interesse público, já que, conforme Marçal Justen Filho [1], "a lei dispensa a licitação para evitar o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais". Assim, faz-se pertinente esclarecer a sistemática da dispensa de licitação e a sua importância em meio à crise que estamos vivenciando.

A licitação dispensável tem previsão no artigo 24 da Lei Federal nº 8.666/1993, o qual indica as hipóteses em que a licitação seria juridicamente viável, embora a lei dispense o administrador de realizá-la. Em decorrência do estado de calamidade pública em que estamos inseridos, o inciso IV da lei dispõe ser dispensável o procedimento "nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos".

Nesse cenário, e objetivando conferir mais segurança jurídica à Administração Pública, foi publicada a Lei Federal nº 13.979/2020, já modificada pela Medida Provisória nº 926/2020, que estabelece as providências para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional causada pela Covid-19. É preciso salientar que a utilização da dispensa de licitação por conta da calamidade pública decretada pelo governo deve ter como motivação a pandemia, como estabeleceu a citada lei.

É possível perceber, por meio dos sítios eletrônicos do governo e das reportagens veiculadas na imprensa nacional e internacional, que o número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus só cresce, demandando cada vez mais investimentos dos sistemas privados e públicos de saúde. Diferentemente dos hospitais particulares, o poder público necessita seguir normas rígidas ao realizar contratações e se sujeitar às fiscalizações dos órgãos de controle.

Tais legislações possuem o papel fundamental de oportunizar aos gestores públicos a adoção de rápidas medidas que visem ao enfrentamento do vírus por meio de exigências menos burocráticas que propiciam, também, uma maior segurança jurídica aos responsáveis por realizarem estas compras.

Nesse sentido, a chamada "Lei do Coronavírus" trouxe no artigo 4°-B um rol taxativo de requisitos que devem ser observados para que os procedimentos licitatórios sejam dispensados, que são: I ocorrência de situação de emergência; II necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; III existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e IV limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.

Tais exigências visam a atribuir o máximo de segurança ao procedimento, impossibilitando ou, pelo menos, dificultando que ocorram interpretações equivocadas que coloquem em risco o erário ou possível favorecimento de determinados fornecedores em decorrência da diminuição da concorrência.

O caos vivenciado pela população mundial atualmente, decorrente da pandemia da Covid-19, exige que a Administração Pública seja cada vez mais rápida e eficiente na sua atuação, justamente para desburocratizar as aquisições que estão sendo feitas no combate a essa doença.

A própria Constituição Federal, em seu artigo 37, dispôs sobre princípios os quais o poder público deve observar, devendo ser ressaltado o da eficiência, que, na palavras de Hely Lopes Meirelles [2], impõe a todo agente público a realização de suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

Em complemento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro [3] afirma que uma administração eficiente pressupõe qualidade, presteza e resultados positivos, constituindo, em termos de administração pública, um dever de mostrar rendimento funcional, perfeição e rapidez nos interesses coletivos.

Desse modo, espera-se que os agentes públicos responsáveis pelas compras governamentais apresentem o seu melhor desempenho durante a realização das dispensas de licitações que estão ocorrendo diariamente devido a esta pandemia, primando pela agilidade e em busca da proposta mais vantajosa, justamente para melhorar a saúde pública brasileira.

As legislações que versam sobre a possibilidade de utilizar a dispensa de licitações em tempos de calamidade pública, mais especificamente no combate à Covid-19, demonstram à sociedade a intenção do legislador de oferecer ao agente público uma atuação mais eficiente e segura.

Portanto, em meio ao caos vivenciado pela população brasileira, torna-se imprescindível que os gestores públicos deixem de lado a burocracia tão consolidada em nosso país e adotem, sem medo e de maneira eficiente, todas as medidas possíveis e legais para as aquisições de materiais ou construções de estruturas necessárias ao enfrentamento da pandemia.

 


[1] JUSTEN FILHO, Marçal, Pedro. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2012.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. Cit., 21 ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero e José Emmanuel Burle Filho. Malheiros, 1996.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002.

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  • é sócio do escritório Rocha, Araújo & Arrais Advogados Associados, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pela UNI7 e em LLM Business Law e Gestão pela UNIFOR.

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