Opinião

O Judiciário, a interferência e a separação de poderes

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4 de maio de 2020, 13h42

Spacca
2020, o ano em que o mundo parou, parece caótico em diversos aspectos. O distanciamento, que por vezes se mostra como isolamento, a todos incomoda mundo afora. No Brasil, entretanto, outras crises acompanham o dia-a-dia político. Contestações várias são travadas, deixando muitos simplesmente perplexos. Parece, tristemente, ter sido criado um perigoso clima de intranquilidade, que merece alguma ponderação, em especial quando se afirma por uma interferência do Judiciário sobre o Executivo.

De fato, o medo e receio que assolaram o mundo nos últimos meses, por estas bandas, simplesmente parecem ser elementos de um embate político dicotômico, o qual divide o país. O falso antagonismo entre saúde e economia foi tomado de forma excludente, sendo mobilizado, por alguns, como peça de um perigoso xadrez. A isso, se somam os significativos afastamentos dos ex-Ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, com acusações, da parte deste último em relação à atuação por parte do presidente da república. Além disso, avolumam-se as percepções recentemente havidas acerca de respostas judiciais dadas a tantas dessas questões, bem como a leitura destas em ambiente político. Haveria, contudo interferência ou quebra da separação de poderes?

De fato, e como se sabe, algumas recentes decisões por parte do Supremo Tribunal Federal têm sido acusadas de atentatórias à divisão ou independência dos poderes. Olvida-se, no entanto, que, em primeiro lugar, o Judiciário não atua por vontade própria, senão quando provocado. E diversas de suas colocações buscam, sim, a defesa da Constituição e os direitos individuais. Leis podem afirmar poderes de lado-a-lado, mas acima destes, existe uma lógica principiológica que sobrepaira a todos. E, diga-se, a defesa destes não é interferência, senão asseguramento dos ditames constitucionais.

Entendimentos judiciais que contestam, ainda que de maneira monocrática e temporária, atos executivos do Governo, não implicam necessariamente em atentado à separação de poderes. É claro que isso pode, em tese, até se dar, mas o papel de guardião da Constituição Federal impõe, ao STF uma condição de verdadeiro poder moderador, que deve ser vista não como parcialidade política, mas, sim, em defesa dos interesses da população em geral. Reação ao STF não cabe, nas instâncias de poder, fora de seu âmbito devido. E este, não se dá nas ruas.

Ser autorizado genericamente pela lei a fazer algo não significa que a conduta se mostra constitucionalmente defensável. Inquéritos para avaliação da ocorrência, ou não, de ilícito, não são novidades. Barrar nomeações de alguma forma questionáveis tampouco é novidade. Sustar expulsões do país, dada a pandemia mundial, e em termos de defesa da saúde e integridade dos envolvidos, como também buscar o asseguramento de pessoas detidas pela Justiça, pode vir a se mostrar, como aponta o Ministério Público Federal, consagração da pessoa humana, e não interferência em Poder alheio, senão garantia do que a Carta Maior consagra.

Como se disse, decisões podem eventualmente ser contestadas. Questionadas, ainda, quando se entender equivocadas as mesmas, mas devem ser, pelo poder constituído, respeitadas, uma vez que, de toda forma, é o STF quem faz a leitura última da Constituição. Impensável são, sim, agressões pessoais colocadas a membros do Poder Judiciário, quando não ao próprio Poder em si. Quando isso se dá, tem-se um enfraquecimento das instituições que devem ter, no Judiciário, um norte último.

É ele é um bastião importantíssimo da democracia. E isso, para governos de direita ou de esquerda, bons ou maus, queridos ou odiados. A banalização das críticas ao Judiciário não fortifica a ninguém, senão abala o que se tem de mais importante no mundo do Direito, qual seja, a busca da Justiça. Esse, o mote mais importe que a todos se sobrepõe. Não se trata de afirmar-se por falta de conversa ou paciência. O respeito, mais que tudo, deve prevalecer. Acima de tudo, sempre a Constituição, pois sua perenidade é a segurança última que se espera. Essa, a ponderação necessária para que se caminhe ao fim de tão severos tempos, com a tolerância e serenidade de todos os lados, sem intempestividades ou colocações que venham a turbar a democracia.

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