Opinião

Atividade econômica e qualidade ambiental em tempos de pandemia

Autor

  • Paula Angélica Reis Carneiro

    é bióloga advogada especialista em Direito Ambiental e Gestão da Sustentabilidade sócia fundadora no escritório Reis Carneiro Sociedade de Advogados e membro associada à União Brasileira da Advocacia Ambiental (Ubaa).

4 de maio de 2020, 6h03

A atual pandemia da Covid-19 estabeleceu um novo ritmo na vida das empresas. As novas e constantes dificuldades precisam ser diariamente superadas e a pronta adaptação às indecisões passou a ser a regra do momento. Relembrando Darwin [1], sobreviverão os que melhor souberem se adaptar à nova realidade.

Em sintonia com esse novo contexto, um grande desafio dos responsáveis pelas áreas de sustentabilidade e meio ambiente é garantir que a atividade desenvolvida pela empresa siga observando os padrões de proteção e a qualidade do meio ambiente, mesmo diante do cenário de instabilidade das inúmeras mudanças trazidas pela pandemia, somadas à crise ambiental previamente instalada.

Sob a perspectiva do Direito Ambiental, o direito à sadia qualidade de vida da sociedade depende do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [2]. E essa condição está intimamente relacionada à forma selecionada pelas empresas para orientar e gerir suas atividades.

As diferentes atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas no Brasil impactam em maior ou menor grau o meio ambiente. Esse grau de impacto, por sua vez, vincula-se a diversos fatores. Principalmente depende do porte da atividade, de seu potencial poluidor e de onde está localizado o empreendimento / atividade.

No Brasil, as atividades classificadas como potencialmente causadoras de impactos ambientais devem ser regularizadas junto ao órgão ambiental competente. Isso pode ser feito por meio da obtenção de uma licença ambiental, autorização ambiental ou documento equivalente. A regularização da atividade associa-se, em regra, à imposição, pelo órgão ambiental competente, de condicionantes ambientais. Para Édis Milaré [3], "as condicionantes são exigências ou obrigações lançadas pelo órgão ambiental competente nas licenças emitidas, a serem obedecidas pelo empreendedor pessoa física ou jurídica visando a mitigar ou compensar os impactos ambientais do projeto". As condicionantes ambientais, portanto, configuram-se como medidas que permitem o controle da qualidade ambiental associado à atividade pretendida ou àquela já desenvolvida pelo empreendedor.

A pandemia tem trazido dificuldades no cumprimento parcial ou total das obrigações ambientais estabelecidas não somente das condicionantes, como também dos Temos de Ajustamento de Conduta (TACs). Os TACs administrativos ou celebrados com o Ministério Público têm a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ambiental e evitar a ação judicial [4]. O termo de ajustamento de conduta está previsto no § 6º do artigo 5º da Lei 7.347/85 e no artigo 14 da Recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) nº 16/10.

Uma vez abordados, ainda que de forma sucinta, o conceito e a função tanto da condicionante ambiental quanto do Termo de Ajustamento de Conduta, merece esclarecer que, em tempos de incertezas causadas pela pandemia da Covid-19, é imprescindível que as empresas ajustem seus procedimentos e busquem novas alternativas para cumprir suas obrigações ambientais, pois algumas obrigações assumidas são de difícil ou impossível cumprimento com as novas regras de distanciamento social e com a paralisação de muitas atividades e profissionais.

Para as obrigações menos complexas e mais exequíveis é recomendável, mesmo diante da suspensão de alguns prazos ambientais, o cumprimento do compromisso assumido.

Para as obrigações mais complexas, como aquelas associadas à reparação ou monitoramento de um dano ambiental, situação de risco ou de degradação ambiental, o cumprimento nem sempre é possível diante do cenário de pandemia. Nesse contexto, surge a necessidade de adequação da empresa à atual realidade, incorporando novos procedimentos e ferramentas à sua gestão ambiental.

O uso de ferramentas com elevado nível de precisão, como os drones e o Sistema de Informações Geográficas (SIG)pode contribuir em tais situações. Com base em imagens de satélite, uso de softwares e de drones, podem ser produzidos mapas e imagens que permitem uma análise espacial e temporal da área objeto da obrigação. A análise permite evidenciar qual a condição da vegetação existente em áreas de reserva legal, em áreas de preservação permanente, monitorar áreas com início de processo erosivo, entre outras possibilidades.

As plataformas para realização de videoconferência entre diversos profissionais que atuam na área do Direito Ambiental (especialistas, consultores, advogados e gestores ambientais) são também exemplos de instrumentos que vem sendo amplamente utilizados nesse momento de distanciamento social.

O emprego de tecnologias teve adesão até mesmo dos órgãos ambientais, como é o caso da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais, que intensificou uso de sistema eletrônico no licenciamento durante a pandemia da Covid-19. Por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), é possível dar andamento a processos de licenciamento ambiental e obter assinaturas/autorizações obrigatórias para a regularização ambiental, como Termos de Ajustamento de Conduta monitoramento de fauna, emissão de certidão negativa de débitos, entre outros.

Nas situações de impossibilidade total ou parcial do cumprimento das obrigações ambientais, recomendamos aos responsáveis que comuniquem a situação tempestivamente ao órgão competente, com o detalhamento da justificativa instruído com seus respectivos registros, deixando claro a relação de causalidade (nexo causal) entre a pandemia e o fator impeditivo do cumprimento da obrigação. A fim de evitar dúvidas, as obrigações devem ser tratadas de forma individualizada. Se oportuno, em especial, diante das obrigações de reparação de dano ambiental, uma nova proposta de cronograma e/ou plano de trabalho deve ser submetida para apreciação do órgão competente. Tais medidas são fundamentais como forma de demonstrar a diligência e a boa-fé do empreendedor.

Assim, empresas que desenvolvem atividades potencialmente poluidoras devem buscar compatibilizar, mesmo diante da situação de pandemia, a sua atividade econômica com a proteção ambiental de forma a garantir o equilíbrio do meio ambiente, responsável pela qualidade de vida da população. Promover, com celeridade, os ajustes possíveis nos procedimentos e processos e apostar em diferentes tecnologias disponíveis, sem dúvida, são medidas importantes para que as empresas alcancem o cumprimento das obrigações e exigências ambientais estabelecidas.

 


[1] Darwin, C. R. The origin of species by means of natural selection, or the preservation of favored races in the struggle for life. 6 ed. London: John Murray, 1876a. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=F391&viewtype=text&pageseq=1 . Acesso em: 20/04/2020

[2] Artigo 225 da Constituição Federal de 1988

[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 11. ed. São Paulo, 2018.

Autores

  • é advogada ambiental no escritório Reis Advogados de Uberlândia-MG, bióloga, especialista em Direito Ambiental e Gestão da Sustentabilidade pela PUC-SP, especialista em Governança Corporativa pelo IBGC e membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA).

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