Público x Privado

André e José: o comprometimento com a atuação do servidor público

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4 de maio de 2020, 8h39

Spacca" data-GUID="luiz-inacio-adams-spacca.png">Conheci o, agora ministro, José Levi muitos anos atrás, quando ainda estava no Rio Grande do Sul, atuando na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Já o ministro André Mendonça, vim a conhecer quando eu já era ministro da Advocacia Geral da União, oportunidade em que ele atuava no Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa. Em ambos enxerguei as qualidades de servidores públicos comprometidos em atuar de forma correta e de acordo com os princípios gerais que norteiam a administração pública, a saber o respeito à impessoalidade, moralidade, legalidade, transparência e eficiência. Neles sempre vi pessoas sérias e dedicadas ao trabalho público.

Mas este artigo não trata de um mero elogio, mesmo que merecido. O que quero tratar é exatamente da tensão que perpassa o indivíduo e a instituição no trato da coisa pública. O ministro da Justiça e o Advogado Geral da União não são indivíduos, mas personificam instituições cujo reconhecimento não está apenas na redação fria da norma constitucional e legal, mas, mais fundamental do que isso, na tradição histórica que legitima e orienta os que hoje chegam ao cargos públicos. O jovem Karl Marx já lembrava no XVIII Brumário de Luis Bonaparte que "Os homens fazem a própria história, mas não a fazem como querem; não as fazem sob a circunstância de sua escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado." A influência do passado na nossa vida presente também encontramos no ideário positivista de Auguste Comte: "Os vivos são sempre e cada vez mais governados, necessariamente, pelos mortos".

Assim, sempre vem a minha memória o discurso de despedida de Jarbas Passarinho como ministro da Justiça do malfadado governo do presidente Fernando Collor de Mello, em que cita poema da nossa espetacular Cecilia Meireles (Destino):" Pastora de nuvens, por muito que espere, não há quem me explique meu vário rebanho./Perdida atrás dele na planície aérea,/não sei se o conduzo, não sei se o acompanho." Pois, “não sei se conduzo ou acompanho” devia ser o lema de todos aqueles que se vocacionam para atuar no Estado. O indivíduo tem voz, mas existe uma voz maior que, mesmo silenciosa, é ensurdecedora: a Constituição Federal e, intrínseca a ela, a história humana que a gerou: as revoluções Americana, Francesa e Russa. Vivemos em uma sociedade multifacetada e a Constituição dirige-se a toda ela e não uma parte.

Quem ocupa uma função pública não é um Adão da Gênese humana, mas um dos muitos herdeiros de uma história de alegria, esperança, sangue e lágrimas. Quem jura defender a Constituição está jurando defender uma história construída há milhares de anos e que tem a democracia Ateniense como uma inspiração imperfeita.

Assim, quando estão a disputar as vozes do indivíduo e as vozes do passado, as primeiras tendem a sucumbir às últimas. E simplesmente porque, na instituição, existe uma história a condicionar a perspectiva de quem atua hoje. É o grito de milhares que viveram, lutaram, choraram e conquistaram no passado os direitos de que hoje desfrutamos. Por isto, inclusive, que o Estado é repleto de liturgias que, na nossa juventude democrática, temos muitas vezes desconsiderado. A liturgia não é mera formalidade, mas o reconhecimento de que estamos nos dirigindo não a André ou José, mas à instituição ministro da Justiça e Advogado-Geral da União. E quando o titular destas tão importantes funções esquece as vozes do passado e tenta substituí-las pela sua própria, acaba por sucumbir a forças milenares que se traduzem em valores como a segurança jurídica, a presunção de inocência, o devido processo legal, a democracia, a liberdade econômica, o respeito ao cidadão, entre outros valores que estão expressos na nossa Constituição.

Meu profundo desejo é que o José e o André sejam ouvintes atentos dessas vozes e sejam capazes de garantir a efetiva implementação do nosso texto Constitucional. E mais do que tudo, no mister da função pública estatal, desejo que não sejam terrivelmente religiosos, mas, como já afirmou Gilmar Mendes, terrivelmente constitucionalistas, pois a nossa Constituição consiste em nada mais que as vozes do passado a ecoar no nosso presente.

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