A necessária mitigação das condutas vedadas a agentes públicos na pandemia
4 de maio de 2020, 15h34
Diante da proximidade da realização das eleições municipais, os agentes públicos deverão observar — e cumprir — as restrições impostas pela legislação eleitoral e fiscal, de modo a manter a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais.
Nesse contexto, precisarão atender às restrições estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal para o último ano de mandato e, da mesma forma, desde 1º de janeiro de 2020, observar a proibição à distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública.
Essas são algumas das regras que limitam a atuação dos agentes públicos nos períodos pré-eleitorais e que têm por objetivo impedir o desequilíbrio de oportunidade entre os candidatos. Impede-se, portanto, por meio da vedação à prática de determinadas condutas, que o agente público se utilize do cargo que ocupa para beneficiar candidatura própria ou de terceiro.
Todavia, como toda regra, essas imposições comportam exceções e nessas eleições de 2020 a exceção à regra chama-se pandemia da Covid-19 (causada pelo novo coronavírus).
Com efeito, a decretação do estado de calamidade pública em decorrência dessa pandemia impõe a mitigação das vedações contidas nas legislações eleitoral e fiscal, de forma a possibilitar a adoção de medidas urgentes e necessárias de enfrentamento ao vírus e suas consequências.
A primeira exceção à regra foi reconhecida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder medida cautelar no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.357/DF, por meio da qual se afastou a incidência dos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal durante o estado de calamidade pública, em "relação às medidas para a prevenção e combate aos efeitos da pandemia de Covid-19".
Desse modo, por meio da referida decisão, afastou-se a exigência de demonstrar a adequação orçamentária relativa à criação e expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento da Covid-19, com a expressa extensão dos seus efeitos a todos os entes federativos que tenham decretado estado de calamidade pública em razão da pandemia.
A segunda exceção, por sua vez, advém do próprio corpo normativo, a exemplo do artigo 73, §10, da Lei 9.504/97, que expressamente excepciona a proibição de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública nos casos de calamidade pública e de estado de emergência.
Ou seja, na hipótese de decretação do estado de calamidade pública fica autorizada a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública. Não há vedação, por exemplo, à concessão de auxílios emergenciais como forma de reduzir os impactos econômicos causados pela pandemia.
E nem poderia ser diferente. Não há como atribuir um valor absoluto às condutas vedadas aos agentes públicos sem conferir uma interpretação sistêmica em relação aos demais textos normativos e à própria realidade que se impõe, com a necessária adoção de medidas drásticas na prevenção e no combate ao coronavírus.
Como disse Humberto Ávila na prestigiada obra Teoria dos Princípios, "normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos" (2014, p. 50).
O momento exige prudência, responsabilidade e muito trabalho por parte dos agentes públicos e, também, dos operadores do Direito. A mitigação das vedações contidas nas legislações eleitoral e fiscal é medida que se impõe e deve ser observada por todos — advogados, promotores e juízes —, reprimindo-se, por óbvio, os excessos que eventualmente venham a ser cometidos "no meio do caminho", do que dependerá, decerto, a análise do caso concreto.
Mãos à obra!
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