Opinião

Preservação dos direitos dos trabalhadores são a saída para superar a crise

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4 de maio de 2020, 14h52

Em primeiro lugar, é importante destacar o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF), grande eixo gravitacional no ordenamento jurídico brasileiro, isto é, tendo como foco principal de seus institutos a preservação da dignidade da pessoa, enquanto ser humano.

Além disso, há que se destacar também o artigo 1º, IV, da CF, que prevê como um princípio importante os valores sociais do trabalho.

Nesse mesmo sentido, dispõe a nossa Bíblia Política que constituem objetivos fundamentais da República, entre outros, a erradicação das desigualdades regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceito ou distinção da qualquer natureza.

A Constituição também estabelece em seu artigo 5º, caput, como direitos e garantias fundamentais o direito à vida e o direito à igualdade, entre outros. Além do mais, também merece ser trazida à baila a previsão do §1º do mesmo artigo 5º, o qual dispõe que os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Não menos importante é a previsão constante do § 2º do artigo 5º, segundo o qual os direitos e garantias desta Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte (bloco aberto de constitucionalidade).

Com esse mesmo arrimo, dispõe o artigo 6º da Constituição Federal que o trabalho constitui um direito social da pessoa, isto é, dotado de importantíssimo grau de fundamentalidade, já que o trabalho dignifica o ser humano.

Até mesmo o capítulo da Constituição destinado à estruturação da ordem econômica e financeira do país dispõe que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar a todos existência digna.

No plano internacional, importante destacar o papel da Organização Internacional do Trabalho, constituída em 11 de abril de 1919, como parte do Tratado de Versalhes. A propósito, foi em 1998 que a OIT teve uma grande mudança de paradigma. Antes, a OIT voltava seu foco ao reconhecimento de direitos trabalhistas individuais e coletivos. Contudo, com a Declaração dos Princípios Fundamentais do Direito do Trabalho de 1998, a OIT passou a focar na proteção de direitos fundamentais.

Com relação à Covid-19, não é demais lembrar que a mesma diz respeito a uma crise global, portanto necessário reforçar a importância da OIT na concretização de padrões mínimos trabalhistas internacionais para a superação dessa crise de caráter mundial.

Daí a atual importância da OIT na preservação e no efetivo reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Aliás, voltando-nos ao nosso ordenamento jurídico doméstico, é valido destacar que o artigo 7º da Constituição Federal estabelece um piso de direitos sociais (proibição de retrocesso social), sem ignorar outros que visem à melhoria de sua condição social.

É de se notar, por exemplo, o direito de irredutibilidade do salário, salvo disposição em negociação coletiva (artigo 7º, VI, CF). Ou seja, com base no princípio da proteção, é inegável que o trabalhador isoladamente considerado constitui a parte mais vulnerável da relação de trabalho (polos assimétricos).

De fato, é inegável que o Brasil não possui uma estrutura normativa moderna preparada para lidar com o atual cenário de crise promovido pela Covid-19. Muito pelo contrário. A sociedade está atravessando um período de grandes desafios e recessão econômica, principalmente em decorrência da necessidade de isolamento social e fechamento dos mais diversos postos de trabalho.

Obviamente, os trabalhadores assalariados acabam se tornando uma das partes mais atingidas pela recessão econômica, pois dependem de sua força de trabalho para a sua sobrevivência e de sua família.

Como forma de mitigar a crise, foram editadas pelo Poder Executivo diversas medidas provisórias, entre as quais destaco a MP n.º 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares para o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 06/2020.

Em seu artigo 3º, a referida Medida Provisória dispõe que será possível a redução de jornada de trabalho e de salários, bem como a suspensão do contrato de trabalho. Por sua vez, o §4º de seu artigo 11 dispunha que os acordos individuais para redução de jornada e de salário ou suspensão do contrato de trabalho deveria ser comunicada ao respectivo sindical laboral no prazo de dez dias.

Ocorre que após um questionamento judicial, o STF definiu que o acordo individual celebrado entre patrão e obreiro não depende da ratificação do sindicato dos trabalhadores, pois não se trataria de uma situação de conflito entre as partes, e, sim, de convergência de interesses na manutenção dos postos de trabalho e da própria empresa.

Sem olvidar ao respeito da digna decisão do Excelso Pretório, há que se ponderar todos os valores constitucionais em jogo. Ou seja, é verdade que o direito de propriedade constitui uma garantia fundamental, porém esse direito deve ser exercido mediante sua função social.

Assim, durante os momentos de crise, parece razoável crer que todas as partes envolvidas (capital e trabalho) devem ceder reciprocamente parcelas de interesse para a consecução do bem comum.

Contudo, considerando que a relação jurídica trabalhista se dá entre polos assimétricos, isto é, tendo como parte vulnerável o trabalhador, inafastável crer que justamente nos momentos de crise a presença do sindicato laboral se mostre indispensável, em perfeita harmonia com a teoria horizontal dos direitos fundamentais.

Conclusão
O curso da história já demonstrou que a preservação dos direitos sociais dos trabalhadores é a melhor orientação para a superação da crise econômica, pois permite a estabilização das relações sociais e a própria sobrevivência do modelo econômico.

O que se vislumbra, então, é a busca de uma harmonização entre as necessárias medidas de equilíbrio fiscal e os esforços máximos para a preservação dos direitos sociais dos trabalhadores.

Assim, faz-se necessária a adoção de medidas e soluções razoáveis que possibilitem a repartição equânime dos ônus igualmente por parte de todos os atores sociais (Estado, empregadores e empregados).

Em suma, a crise exigirá de todos os atores sociais medidas e soluções incomuns e inovadoras. Todavia, em nenhuma hipótese, é possível se vilipendiar, suprimir ou reduzir os direitos fundamentais dos trabalhadores, até mesmo por determinação constitucional (§4º, IV, artigo 60, CF), já que constituem cláusulas pétreas.

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