Opinião

"One man one vote, one woman more than one vote?"

Autor

  • Lilian Maciel Santos

    é desembargadora do TJ-MG mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais pós-graduada em Processo Civil pela Universidade Gama Filho e em gestão em Poder Judiciário pela UnB em Justiça e Inovação pela Enfam e professora de Direito Internacional Público e Constitucional nas Faculdades Milton Campos e Ibmec.

3 de maio de 2020, 10h29

Há décadas, observa-se uma incessante busca por parte das mulheres pelo reconhecimento de sua capacidade para assumir cargos e funções historicamente ocupados por homens. Não se pode negar a existência de muitos avanços e conquistas nesse sentido, seja na esfera pública, seja na privada.

Efetivamente, aquelas mulheres que se revelam destaque por suas excepcionais qualidades naquela área específica de saber são aprovadas em concursos públicos para cargos até então ocupados por homens. Da mesma forma, setores particulares, com a aguçada visão empresarial, buscam tais talentos para integrá-los a seu time.

Constituição Federal trouxe a igualdade como direito fundamental em seu art. 5º, inciso I. Por óbvio que, para não ser somente um mero escrito numa “folha de papel”, na clássica lição de Lassale, deve ser concretizado no plano material junto à sociedade e às instituições públicas e privadas.

Por isso que, a partir de concepções de um Estado voltado para prestações positivas, garantidor dos direitos fundamentais do cidadão, foi que surgiram as festejadas ações afirmativas, como forma de minimizar as desigualdades entre os indivíduos.

Com relação às mulheres, pode-se citar a legislação eleitoral que estabelece o percentual de cargos eletivos que devem ser destinados a elas e que traz à tona a polêmica na adequação das políticas de cotas nas democracias, em que os cidadãos devem eleger, livremente, os seus representantes.

O senso comum também representa um excelente paradigma para se entender o quanto as pessoas reconhecem a capacidade, o valor, o denodo das mulheres ocupantes de cargos destacados no ambiente de trabalho e liderança.

Todavia, entre a vontade feminina, a lei, o senso comum e a realidade há um imenso vácuo quando se foca na efetiva participação da mulher em órgãos diretivos das instituições públicas, onde a composição numérica masculina é sobejamente superior à representatividade feminina. Nesta situação, se esvazia sobremaneira a chance de uma mulher, que se disponha a se candidatar, ocupar alguma função ou cargo nessas organizações públicas.

Cite-se como exemplo o Poder Judiciário nas eleições aos cargos diretivos e funções administrativas da instituição, que passa por um processo de escolha dentre os membros do órgão colegiado, composto por desembargadores. Traz-se de modo mais particular, a eleição recentemente ocorrida no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais composto por 140 desembargadores. Os votantes masculinos eram em número de 116 e as mulheres em 24. Havia 17 vagas dentre cargos diretivos e funções. O total geral de candidatos era de 35, sendo 31 homens e quatro mulheres.

Nesse contexto, vem a primeira indagação: alguma mulher foi eleita? Infelizmente não. Ainda que todas as mulheres votantes concentrassem seus votos em uma única candidata, nem assim ela teria chance de se eleger já que, relembrando, no tribunal mineiro o número de desembargadoras não atinge sequer o quantitativo de 30 membros.

O segundo questionamento que emerge é o seguinte: diante desse cenário, o que fazer? Será que as mulheres devem se recolher, se abster de colocar seus nomes na disputa a tais cargos majoritariamente ocupados pelo contingente masculino?

Acredita-se que não. Se assim o fizerem, estarão referendando o status quo, assumindo a atitude cômoda e omissa do não enfrentamento. Por certo que, se houver vontade política em realmente colocar as mulheres em uma disputa justa, o voto proporcional é a solução. Assim cada voto feminino deve ter um peso maior que o masculino. Não se pode institucionalizar, neste caso, a antiga regra “one man one vote” se, de fato, há uma busca pela efetiva participação da mulher nos órgãos colegiados e diretivos.

Cumpre destacar que, o que se pretende não são privilégios atrelados ao fato de ser mulher. Não se objetiva colocar a mulher na posição de pedir favores, benesses, concessões ou tantos outros substantivos que, na verdade, a diminuem como ser humano e a desqualificam profissionalmente.

O que se propõe está claramente postulado por John Rawls quando aprofunda a reflexão sobre a justiça distributiva. O filósofo traz o conceito de reciprocidade social, por meio da qual se expõe a ideia de igualitarismo democrático. Para ele, as instituições sociais devem ser estruturadas de modo que produzam um benefício maior aos menos favorecidos a longo prazo. Para isso, devem-se empregar arranjos institucionais alternativos.

Uma instituição política, para cumprir este papel, deve prover a liberdade a todos igualitariamente, a partir de promover justos termos de cooperação entre seus membros. Daí porque, a proposta é a de que se tragam soluções concretas, afirmativas, fundadas na equidade, para que se efetive a participação das mulheres e, em particular, no Poder Judiciário que, por ser a casa da justiça, deve ser o primeiro a tomar a frente.

Por que então, como primeira iniciativa, no âmbito dos Tribunais de Justiça, não se pensar na criação da seguinte ação afirmativa: “one man one vote, one woman more than one vote”? Fica a reflexão!

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    é desembargadora do TJ-MG, mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduada em processo civil pela Universidade Gama Filho e em gestão em Poder Judiciário pela UnB e professora de direito constitucional na Uni-BH.

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