Direito em pós-graduação

Solução aos desafios decorrentes da judicialização da epidemia de Covid-19

Autores

  • Horácio Monteschio

    é doutor em Direito pela Fadisp pós-doutor em Direitos Humanos. Professor de direito processual no curso de graduação e mestrado da Universidade Paranaense (Unipar) e Professor do Unicesumar.

  • Celso Hiroshi Iocohama

    é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Educação em Educação pela Universidade de São Paulo especialista em Docência pela Universidade Paranaense e professor de Direito Processual Civil (Unipar).

  • José Laurindo de Souza Netto

    é pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade Degli Studi di Roma La Sapienza desembargador no TJPR e professor no Programa de Mestrado em Direito Processual Civil e Cidadania - UNIPAR.

3 de maio de 2020, 8h00

ConJur
O advento vertiginoso e a célere disseminação do coronavírus causou impactos desafiadores para a sociedade. Seu súbito aparecimento incutiu medo e incertezas na população. O desconhecimento do comportamento da doença e a sua rápida dispersão em nível global impingiu os poderes públicos e os mais diversos setores da sociedade a tomarem medidas preventivas e também repressivas, com o fim de proteger a coletividade.

Esse novel cenário do país está a demandar a tomada de decisões pela iniciativa pública e pela privada, a suscitar pontos de vistas antagônicos e incompatíveis entre si, a florescer conflitos das mais variadas espécies, reclamando, com isso, a apresentação de soluções pacíficas pelo Judiciário através do exame adequado da realidade.

O medo e a incerteza das pessoas durante a pandemia, mormente diante da mudança de seu cotidiano em razão das regras de isolamento social, vêm deixando os seus nervos “a flor da pele” fazendo com que pequenos impasses se tornem grandes conflitos.

Salutar, portanto que dada a gravidade que o impregna, vez que está em jogo o maior bem da humanidade – a vida -, “o momento de crise é oportuno para revisar paradigmas e entender que há formas de julgar em que o “coração” sente para além do que os “olhos” veem. É esse caos que coloca em xeque toda a prepotência humana, toda a hybris que rejeita o trágico e o imprevisível, e demanda dele adaptar-se ou sucumbir”.1

Relevante, por isso, explorar a problemática decorrente da judicialização frente a pandemia, notadamente porque o regular papel do Judiciário é dar segurança jurídica e estabilidade às relações sociais através da pacificação dos conflitos. E isso se sobressai mais ainda no atual cenário global, pois são em momentos de crises que o medo, a ansiedade e a aflição da população e também daqueles que decidem os rumos da sociedade leva-os a divergir sobre as mais díspares questões.

E, exatamente defronte a esse quadro, que os métodos autocompositivos e o uso da tecnologia se revelam como poderosos instrumentos para resolução dos embates, evitando, assim, a judicialização, bem como para dar andamento aos casos em que o conflito já foi apresentado ao poder público por meio de um processo.

Métodos autocompositivos: uma solução à crise
A contaminação do coronavírus começou em dezembro de 2019 na China e, desde então, vem se espalhando para diversos países, razão pela qual a OMS o reconheceu como uma pandemia2. Em virtude dessas circunstâncias e em decorrência da frenética disseminação do vírus, o Poder Público foi impelido a tomar medidas preventivas como forma de evitar o contágio entre as pessoas. A partir disso, surgiu a Lei nº 13.979/2020, determinando, em suma, o isolamento social.

Malgrado a medida de isolamento social se demonstre efetiva para evitar a propagação do vírus, ela vem ocasionando grandes impactos como, v.g., na economia dado o fechamento do comércio de bens não essenciais; nas relações trabalhistas, eis que as empresas vêm demitindo em grande escala os seus empregados; nas relações sociais, vez que o isolamento está restringindo a realização de eventos sociais.

Para o Judiciário a magnitude dos impactos não foi diferente. Após sucessivos atos normativos publicados pelas repartições judiciárias, o CNJ editou a Resolução nº 313/2020 a fim de uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários (exceto ao STF e a Justiça Eleitoral) e garantir o acesso à justiça neste período emergencial.

No Estado do Paraná, o Presidente do Tribunal de Justiça determinou3 o fechamento das instalações dos fóruns e do TJ, implantou o regime de teletrabalho e, ainda, suspendeu os prazos, as audiências e as sessões presenciais. Assim, mesmo em meio a crise, o Judiciário Paranaense não cessou as atividades. Pelo contrário, implantou novas medidas, com o uso de meios tecnológicos, para dar continuidade às suas ações e, com isso, aumentar a sua eficiência, pois, segundo levantamento de dados4, houve um significativo crescimento da produtividade5 no trabalho realizado em 1º e 2º grau de jurisdição.

Para além disso, salienta-se que as atividades em 2º grau, notadamente no julgamento dos recursos, estão sendo realizadas por meio do Plenário Virtual, garantindo, inclusive, o oferecimento de sustentação oral pelos advogados de forma digital, caso não se deseje aguardar o retorno das atividades regulares do Tribunal para então apresenta-las de forma presencial.

No tocante a seara dos Juizados Especiais e dos CEJUSCs, a 2ª Vice-Presidência do TJPR instituiu6 procedimentos especiais para realização de sessões de mediação e conciliação através de ferramentas virtuais de comunicação. De mais a mais, autorizou7 o peticionamento via e-mail pelas partes não assistidas por advogados no âmbito dos Juizados Especiais, em observância aos critérios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Portanto, todas essas medidas buscaram resguardar o interesse dos jurisdicionados, primando pelo acesso à Justiça durante o período de crise social.

Salutar que o ciclo de anormalidade que assola o país e o mundo vêm gerando embates entre a população e, mais ainda, entre aqueles que são responsáveis por decidir os rumos da nossa nação. Isso ocorre exatamente porque noveis situações geram diferentes pontos de vistas quando as medidas que devem ser apresentadas em prol da resolução dos problemas.

É certo que lidar com o desconhecido inspira medo e insegurança, mas nem por isso decisões podem deixar de serem tomadas, pois é a vida dos seres humanos que está em jogo. Indubitável que esses atritos irão desaguar no Judiciário. E o aumento de conflitos e, por conseguinte, de processos impõem maiores desafios aos órgãos judiciários.

Mediação, conciliação, justiça restaurativa, negociação e arbitragem aliados ao uso de tecnologias digitais
Como é cediço, o Judiciário já está sobrecarregado com as ações que se encontram em trâmite. E, sem dúvidas, isso leva os operadores do Direito a pensar em meios e ferramentas que possam auxiliar esse Poder para que tal situação não piore com a crise. Nesse trilhar, torna-se inconteste a afirmação de que a utilização dos métodos autocompositivos, atrelada ao uso de tecnologias digitais, é uma grande cartada na solução ou, ao menos, na mitigação desse problema.

Sinteticamente, os métodos autocompositivos são formas de resolução de conflito que podem ser empregados tanto na via judicial quanto na extrajudicial. Dentre as diretivas que tratam sobre esses métodos cita-se a Res. nº 125/2010 que não só regulamenta, mas também estimula a resolução pacífica dos conflitos.

Além disso, menciona-se a Lei nº 13.140/2015 que apresenta a mediação como instrumento de resolução de controvérsias e prevê, em seu art. 46, que ela pode ser realizada pela internet ou outro meio de comunicação à distância. Para além desses diplomas, ressalte-se que o próprio CPC prevê, no art. 3º, §2º, que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. De notar a relevância dos métodos autocompositivos, pois o indicado dispositivo legal não é nada menos que uma norma fundamental do processo civil. Por fim, cite-se que o CPC, em seu art. 334, §7º, prevê que a audiência de conciliação/mediação pode realizar-se por meio eletrônico.

Não obstante, a utilização desses métodos seja a melhor solução para os conflitos e, por portando, vise-se a expansão do emprego desses meios na sociedade, há de notar que isso ainda encontra muitas dificuldades no plano concreto. Infelizmente, predomina na sociedade a cultura da sentença. E esse problema tem origem, inclusive, no déficit de formação dos executores de direito, eis que raramente as instituições de ensino inserem disciplinas voltadas a desenvoltura e apresentação dos métodos autocompositivos nas grades curriculares.

Mas, a despeito disso, destaca-se que os métodos são, indubitavelmente, formas mais adequadas para a resolução de conflitos, vez que a sua utilização traz inúmeros benefícios para toda a sociedade, como, por exemplo, a redução do número de ajuizamentos de ações e do emprego de recursos públicos para esta função, a celeridade na resolução do problema, a satisfação de interesse de todas as partes envolvidas no embate, a simplicidade e a eficácia do procedimento.

Nesse contexto, nota-se que os métodos consensuais são poderosos instrumentos para a resolução de controvérsias e, mais, se apresentam como uma barreira para impedir, ou pelo menos amenizar, a quantidade de conflitos, isso porque “baseia-se no diálogo e no consenso, oferecendo a oportunidade de manterem o controle do processo permitindo-se a abordagem das razões mais profundas do conflito”8

Desta feita, servem como um mecanismo de preparação para que as pessoas vivam harmoniosamente em sociedade, porquanto tais métodos possuem caráter pedagógico, fatores esses que auxiliam na restauração do convívio social. Inquestionável assim que, dado os benefícios que os métodos autocompositivos podem trazer às pessoas, sua utilização deve ser estimulada incessantemente, mormente na hodierna conjuntura de crise do país. Nesse trilhar, como já indicado, a 2ª Vice-Presidência do TJPR instituiu procedimentos especiais para realização de sessões de mediação e conciliação por intermédio de ferramentas virtuais de comunicação, no âmbito dos Juizados Especiais e dos CEJUSCs, durante o período de pandemia no Brasil.

Portanto, nota-se que a tecnologia se coloca em evidência e está a favor da sociedade, de modo a amenizar as dificuldades enfrentadas no ínterim dessa situação de calamidade. A utilização desses métodos autocompositivos conjugados com o uso das tecnologias podem auxiliar na resolução dos conflitos, evitar o desgaste emocional, financeiro e psicológico da espera do trâmite de um processo judicial, poupar de um deslocamento até a repartição judiciária para acompanhamento e interação de uma audiência ou sessão de julgamento.

Do quanto exposto, sobreleva-se que o momento de crise atual que vem, de forma paradigmática, afetando as relações econômicas, sociais e judiciais, deve ser explorado, agora, sob uma nova perspectiva, de modo que as dificuldades que vêm sendo enfrentadas sejam exploradas, de forma positiva, através do estímulo da utilização dos métodos autocompositivos e de ferramentas tecnológicas, a bem de se cultivar a cultura da paz.

Conclusão
Diante das premissas delineadas, é possível afirmar que a pandemia requereu do Poder Público as mais variadas medidas com o propósito de frear a disseminação dessa doença. Com isso, houve grandes impactos na sociedade, reclamando soluções mais ativas dos demais poderes e, principalmente, do Judiciário, quando instado a se manifestar.

Nessa linha, a par das distintas providências que já foram tomadas no âmbito do Judiciário com o fim de continuar oferecendo estabilidade e segurança jurídica para as relações sociais, nota-se que a preocupação com o emprego de meios alternativos, como são os métodos autocompositivos, e com o uso de ferramentas digitais para a solução de conflitos tornou-se mais efervescente em tempos de crise.

Sem dúvidas, os métodos autocompositivos trazem incontáveis benefícios para a resolução de litígios, vez que empoderam o cidadão a resolver seus próprios impasses sem a necessidade de recorrer a um magistrado para que este imponha-lhe uma decisão coercitiva (método heterocompositivo), impedem a judicialização de questões que podem ser resolvidas de forma consensual, garantem ganhos múltiplos a todos os envolvidos no litígio.

Destarte, tem-se que é imprescindível incentivar e estimular a utilização dos métodos autocompositivos por serem mecanismos para a emancipação do ser humano e fomento da cultura da paz. Mais: é inquestionável a necessidade de, na hodierna conjuntura do país, enxergar novos horizontes, novas perspectivas e, todos, em benefício da coletividade.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


1 OLIVEIRA, Eduardo Perez. O cisne negro e a teoria da ressonância: uma proposta hermenêutica para cenários de crise. 1ª ed. RJ: Impetus, 2020.

2 Em 11 de março de 2020.

3 Decreto Judiciário nº 172/2020.

4 Levantamento realizado entre 13 de março de 2020 a 08 de abril de 2020.

5 TJPR. Em 27 dias de teletrabalho, TJPR registra mais de 630 mil atos praticados. Disponível em: bit.ly/3cm70Rr.

6 TJPR. Portaria 3605/2020. Disponível: bit.ly/34CTxly. E TJPR. Portaria 3742/2020. Disponível: bit.ly/2xwDM3w.

7 Ofício-Circular nº 06/2020-G2V.

8 LÓPEZ, Silvia García; BONSHOMS, Berta Tixis. Una oportunidad para la mediación en tiempos del Covid. Disponível: bit.ly/2XEBxWD.

Autores

  • é doutor em Direito pela Fadisp, pós-doutor em Direitos Humanos. Professor de direito processual no curso de graduação e mestrado da Universidade Paranaense (Unipar), e Professor do Unicesumar.

  • é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Educação, em Educação pela Universidade de São Paulo, especialista em Docência pela Universidade Paranaense e professor de Direito Processual Civil (Unipar).

  • é pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade Degli Studi di Roma La Sapienza, desembargador no TJPR e professor no Programa de Mestrado em Direito Processual Civil e Cidadania - UNIPAR.

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