Opinião

Hora de tributar grandes fortunas?
Ora, ora!

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2 de maio de 2020, 7h15

*Artigo originalmente publicado no site do jornal O Estado de S. Paulo (blog do Fausto Macedo), em 1º/5.

Há quem diga que daqui a um tempo, ao se estudar História, haverá o marco divisório do que estamos vivendo hoje, por conta da pandemia da covid-19. Não duvido. Até porque acredito que estamos num movimento inusitado, em que todas as relações humanas tiveram que mudar de repente e drasticamente. A adaptação do ser humano ao denominado “isolamento social” tem se apresentado incrivelmente instigante: a comunicação entre as pessoas mudou, a forma de trabalhar é outra, as prioridades, substituídas, e por aí vai. É evidente que os desdobramentos dessas mudanças irão se refletir das mais indiscriminadas maneiras. A consequência imediata irá se apresentar na Economia. A inadimplência vai bater na porta de inúmeros cidadãos, o Planeta vai empobrecer em cifras para lá de significativas, enfim, algo parecido (e talvez até pior) do que o mundo assistiu após a Segunda Guerra Mundial.

O mundo gira mais ou menos uniforme quando se fala em empobrecimento dos países: se as pessoas físicas perdem poder aquisitivo em níveis globais, a consequência imediata será perda de arrecadação tributária também em nível global. Afinal, todos sabem: quem paga imposto é a pessoa física. Pessoa jurídica, repassa. Logo, se a pessoa física perde capacidade contributiva, a queda de arrecadação tributária é imediata, em todos os níveis e em relação a qualquer imposto. Em tempos de pandemia, nada pior do que isso, até porque gastos extraordinários são inevitáveis para conter o empobrecimento iminente das pessoas menos prestigiadas. Não é por outro motivo a criação do auxílio emergencial de 600 reais criado recentemente pelo governo federal. Estimava-se gastar no referido programa algo em torno de 59 bilhões de reais. Projeções mais recentes já falam em mais do que o dobro disso, cerca de 117,8 bilhões. E parece ser esse um dos muitos rombos que virão…

Justamente no atual momento, em que, repito, o empobrecimento em níveis mundiais é certo, Congresso Nacional se mobiliza para a instituição do imposto sobre grandes fortunas, previsto a partir da Constituição Federal de 1988, mas até hoje não corporificado em lei. A pergunta obrigatória é uma só: está na hora de passarmos a conviver com esse imposto? A resposta é taxativa. Não. E vou explicar por quê.

Talvez muitos não saibam. Mas desde a Constituição Federal de 1988 já foram apresentados no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados ou Senado) nada mais nada menos do que 37 Projetos de Lei Complementar, a via legislativa necessária para poder ser criado referido imposto, que exige quórum especial para aprovação, ou seja, voto afirmativo de 41 dos 80 senadores; e 257 dos 513 deputados federais. O quadro abaixo resume os referidos projetos.

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Como se vê, em tempos de pandemia, o tema ganhou envergadura, tendo sido apresentados vários novos projetos. Não pretendo esgotar aqui o tema, tampouco analisar qual dos projetos teria mais chances de ter a concordância de no mínimo 41 senadores e 257 deputados federais. O enfoque aqui é outro: analisar se é momento pertinente para se instituir no Brasil a tributação sobre grandes fortunas.

Em primeiro lugar, afirmo, sem correr o risco de errar, que o patrimônio sofre importante tributação no Brasil, tributação essa que se comparada à existente nos denominados países “ricos” pode até ser considerada infinitamente mais expressiva.

Tomemos por base a herança. Como se sabe, a competência para se instituir este imposto é dos estados. Em São Paulo, por exemplo, a tributação atual é de 4%. Há estados em que é até maior. Mas vamos, por ora, nos focar apenas em São Paulo (em que recentemente, também o contexto da pandemia implicou apresentação de projeto de lei na Assembleia Legislativa para prever a tributação progressiva da herança com alíquotas que variam de 4 a 8%). O fato é que 4% não é pouco, se considerarmos que praticamente qualquer herança sofre tributação. Se compararmos com os Estados Unidos, por exemplo, a herança do americano não sofre tributação em se tratando de patrimônio de até USD 11.580.000. Isso só para se dar um exemplo do que acontece no mundo. Há inúmeros outros.

Em segundo lugar, precisaríamos ficar atentos para o que pode ser considerada “grande fortuna”, principalmente em tempos de empobrecimento globalizado, já aqui objeto de comentários. E a vantagem em nível social e econômico que esta tributação traria. Também não me vem à mente nenhum benefício. Muito pelo contrário, considerando os inúmeros programas que existem em outros países para atrair imigrantes, não me surpreenderia se essas “fortunas” migrassem para esses outros países (que as acolheriam com uma gama de benefícios, certamente!). A fuga de capitais seria devastadora. Ou alguém tem dúvida de que o estrangeiro também não mais aplicaria recursos no Brasil?

Definitivamente, nada, mas nada mesmo há de benéfico em se tributar fortunas ou patrimônio. O que dirá nos tempos atuais, em que reflexos econômicos seríssimos serão identificados em progressão geométrica. Como já disse Winston Churchill “Construir pode ser tarefa lenta e difícil de anos. Destruir pode ser ato impulsivo de um único dia”. Que nossos congressistas (ou deputados estaduais) não apliquem essa máxima na aprovação das medidas de aumento de tributação propostas sob o manto da covid-19.

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