Risco de Contaminação

Sem ordem judicial, Guarda Civil retira venezuelanos de ocupação em Boa Vista

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2 de maio de 2020, 12h45

A Defensoria Pública da União, Conectas Direitos Humanos, Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados e Centro de Migrações e Direitos Humanos ajuizaram nesta quinta-feira (30/4) ação civil pública contra o estado de Roraima, município de Boa Vista e União por desocuparem um acampamento de venezuelanos sem ordem judicial. 

Desocupação, sem ordem judicial, aconteceu no último dia 27
CMDH

A ação, que ocorreu na última segunda-feira (27/4), no bairro Treze de Setembro, foi conduzida pela Guarda Civil Metropolitana sob ordem da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boa Vista.

"Não houve comunicação formal prévia, não houve oportunidade do exercício do contraditório e da ampla defesa, não houve qualquer amparo assistencial, de intérprete ou de agentes de saúde. Houve, por outro lado, emprego de força bruta através da Guarda Civil Metropolitana que, por sua vez, sequer é adequada para esse tipo de função", afirma a ação. 

De acordo com a peça, cerca de 30 famílias venezuelanas viviam no local. Dentre os ocupantes, 31 eram crianças de até 12 anos, 10 adolescentes (de 12 a 17 anos), 30 mulheres adultas e 42 homens adultos. Alguns dos ocupantes fazem parte do grupo de risco caso contraiam o novo coronavírus. 

"Um órgão do município, encarregado de políticas relativas ao meio ambiente, entendeu por bem se imiscuir em temas de migração, assistência social, moradia e saúde pública e, em pleno cenário de pandemia, dispersar as famílias pela cidade, obrigando-as, por certo,a se aglomerarem em outro local", prossegue o documento.

A ACP pede liminarmente que seja concedido, em um prazo de até 24 horas, auxílio emergencial a todos os migrantes venezuelanos que foram retirados da ocupação; que seja fornecida alimentação e abrigo em local adequado; e a concessão de testes de Covid-19 e atendimento médico.

A DPU e a Conectas também solicitam que os demandados sejam proibidos de conduzir despejos, remoções ou reintegrações de posse enquanto durar a emergência em saúde, a menos que seja comprovado que os ocupantes correm risco. 

Neste sábado (2/5), o juiz Bruno Hermes Leal, da 4ª Vara Federal de Roraima, deu o prazo de 72 horas para que União, estado e município de Boa vista se manifestem. O caso corre em segredo de justiça na 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Roraima. 

Segundo a DPU, só foi possível viabilizar a ação porque o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados e o Centro de Migrações e Direitos Humanos, organismo da Diocese de Roraima, conseguiram mapear todas as famílias envolvidas.

Suspensão em todo o país
Por causa da epidemia, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que integra o Ministério Público Federal, solicitou que o Conselho Nacional de Justiça tome providências para suspender reintegrações, despejos e remoções judiciais e extrajudiciais em todo o país.

De acordo com o PFDC, ações como essas atingem as populações mais vulneráveis, o que "tornaria ainda mais difícil o isolamento" em caso de infecção social.

Diversas decisões judiciais já foram tomadas nesse sentido. Nesta semana, por exemplo, a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido do município de Santana da Parnaíba para desocupação de um imóvel e demolição de uma construção irregular na região. 

A corte entendeu que reintegrações de posse nesse momento colocam em risco a saúde de diversos profissionais envolvidos no cumprimento da ordem, e inclusive dos próprios ocupantes, indo na contramão dos objetivos traçados pelas autoridades de saúde. 

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos também se manifestou, afirmando ser essencial que os governos tomem medidas urgentes para ajudar pessoas sem moradia adequada, suspendendo despejos e evitando "que mais pessoas se tornem sem teto". 

Fluxo migratório
Roraima viu crescer exponencialmente o número de migrantes a partir de 2015. Eles, em sua maioria, deixaram a Venezuela, país que atravessa uma crise econômica que atingiu seu patamar mais alto em 2019. 

Segundo a Unicef, o Brasil recebeu cerca de 178 mil solicitações de refúgio e residência temporária entre 2015 e 2019. A maioria dos migrantes entra no país pela fronteira norte e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, ambos em Roraima. 

Uma pesquisa publicada em janeiro pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV DAPP), do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e da Universidade Federal de Roraima (UFRR), mostra, no entanto, que os brasileiros não estão sendo prejudicados pelo movimento migratório.

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