Direitos autorais

Código Anotado oficial não pode ser protegido por direitos autorais, decide Suprema Corte

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1 de maio de 2020, 8h58

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A Suprema Corte dos Estados Unidos

Em um procedimento incomum, o site jurídico Public.Resource.Org recorreu à Suprema Corte dos Estados Unidos contra a decisão de um tribunal de recursos da Geórgia que lhe foi favorável. E ganhou. O tribunal de recursos já havia revertido a decisão de primeira instância, que foi desfavorável ao site jurídico, em uma disputa com o governo da Geórgia sobre direitos autorais.

O estado processou o Public.Resource.Org, porque o site jurídico publicou o Código Oficial da Geórgia Anotado online. O estado alegou que tinha direitos autorais sobre o código anotado e havia garantido à empresa LexisNexis, através de contrato, direitos exclusivos de publicação.

Porém, a Suprema Corte decidiu que o código anotado oficial do estado deve ser livremente compartilhado com todos. Ou seja, é de domínio público. Segundo a decisão, o código anotado não é protegido por direitos autorais.

"Autoridades empoderadas para falar com a força da lei não podem ser os autores — e, portanto, não podem reclamar direitos autorais — de trabalhos que criaram no curso de seus deveres oficiais", escreveu o presidente da corte, ministro John Roberts, pela maioria.

O estado alegou que as anotações no texto do código eram protegidas por direitos autorais, porque elas fornecem informações suplementares sobre a lei, incluindo sumários de decisões judiciais, histórico legislativo das leis e citações de artigos relevantes sobre a lei. As anotações são produzidas por uma divisão jurídica da LexisNexis sob contrato com o estado. A proteção de direitos autorais se justificaria, porque o estado não publica qualquer outra versão oficial do código — a não ser o anotado.

Qualquer um pode obter gratuitamente uma versão não oficial das leis do estado no website da LexisNexis. Mas os termos de serviço da LexisNexis advertem explicitamente os usuários que ela pode ser imprecisa. Quem quiser obter a versão oficial terá de pagar centenas de dólares à LexisNexis, segundo o site Ars Techinica.

A Public.Resource.Org, uma organização sem fins lucrativos, decidiu recorrer à Suprema Corte, apesar de haver ganhado a causa em grau de recurso, para estabelecer um precedente válido para todo o país. A aposta valeu a pena. Outros 22 estados terão de obedecer a decisão.

Mas ganhou por pouco. A decisão foi tomada por cinco votos a quatro, em que ministros conservadores e liberais decidiram à parte de suas tendências ideológicas.

Um fato curioso, que distinguiu os posicionamentos dos ministros, foi geracional: os cinco ministros com menos de 65 anos votaram a favor da distribuição gratuita do código anotado e os quatro ministros com mais de 70 anos votaram contra, admitindo que o código poderia ser protegido por direitos autorais.

A Suprema Corte não havia decidido sobre proteção de direitos autorais de documentos oficiais por mais de um século. No século 18, a corte decidiu, por duas vezes, que documentos judiciais não eram protegidos por direitos autorais. Os casos envolviam "repórteres da corte" — escritores escolhidos pelos tribunais para manter registros de seus procedimentos e publicá-los. No século 19, a corte vetou a propriedade de conteúdo que foi originalmente escrito por juízes.

No voto dissidente, o ministro Clarence Thomas argumentou que as cortes estavam esticando demais precedentes centenários. Ele admitiu que as antigas decisões foram claras sobre o fato de que as leis não podem ser protegidas por direitos autorais, mas não foram tão claras sobre a proteção de direitos autorais para materiais relacionados, que não têm força de lei.

Em voto dissidente separado, a ministra Ruth Ginsburg argumentou que a lei nega proteção de direitos autorais apenas para trabalhos produzidos pelo Poder Legislativo, no curso de seus deveres oficiais. E que o processo de fazer anotações das leis existentes é inerentemente separado do processo de aprovação de leis.

Um possível problema na abordagem dos votos dissidentes, no entanto, é o de que, se vencedores, eles criariam um campo minado jurídico para quem quisesse republicar porções de domínio público de documentos oficiais, segundo a Ars Technica. Eles seriam um misto de trabalhos de domínio público com trabalhos protegidos por direito autoral. Quem quisesse publicá-los teria de identificar e deletar tudo o que fosse protegido.

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