Opinião

A tomada de decisões em momentos de crise como o da Covid-19

Autores

  • Cesar Santolim

    é advogado economista professor da Faculdade de Direito da UFRGS doutor e mestre em Direito pela UFRGS e pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa.

  • Demétrio Beck da Silva Giannakos

    é advogado professor da Faculdade de Direito da Uniritter mestre e doutorando em Direito pela Unisinos sócio do escritório Giannakos Advogados Associados membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-RS e associado do Ibradim e da Agadie.

1 de maio de 2020, 6h02

A premissa central da teoria econômica é que as pessoas escolhem por otimização. De todos os bens e serviços a adquirir, um agente econômico opta pelo melhor dentro de suas possibilidades de compra. No entanto, vivemos em um mundo de humanos que, por terem predileções pessoais, possuem sua racionalidade limitada [1].

As habilidades cognitivas do ser humano não são infinitas e suas memórias são falhas (bounded rationality). Em algumas situações, o ser humano age contra os seus próprios interesses (bounded willpower). Em outras, o ser humano pode sacrificar os seus interesses em prol dos interesses de um desconhecido (bounded self-interest[2].

Mas como fica a tomada de decisões dos agentes econômicos em momentos de crise?

Além da reconhecida "racionalidade limitada", esses agentes, ao firmar contratos de longa duração, não têm condições de prever todas as intercorrências possíveis que podem ocorrer. Ou seja, mesmo que não padecessem das limitações cognitivas que afetam suas escolhas, ainda assim não disporiam de todas as informações necessárias a um exercício pleno da sua capacidade de discernimento.

A tentativa de elaborar contratos que prevejam todas as situações possíveis, por óbvio, aumentará os custos de transação para as partes. Assim, é até mesmo preferível não tentar prever todas as situações contratuais (a denominada "incompletude estratégica" dos contratos) e, em momentos oportunos, utilizar da cooperação para considerarem eventuais mudanças ou novas condições que a situação possa apresentar.

Esse é o ponto crucial.

Relações contratuais entre particulares facilitam a divisão de trabalho e de especializações, que são as chaves para aumentar a qualidade e quantidade dos produtos [3]. O principal conceito econômico do contrato é justamente o de ser uma ferramenta que ajuda as partes a maximizar o seu bem-estar [4].

Se para o mercado é interessante que haja continuidade contratual e manutenção da segurança jurídica das relações, comportamentos contrários a esta intenção, sobretudo carregados de influências externas e dotados de tendências abusivas, certamente não serão bem recebidos.

No entanto, em momentos de dificuldades, as partes ficam mais suscetíveis a tomadas de decisões que vão, no futuro, prejudicá-las. Isso fica ainda mais latente quando são incentivadas.

Do ponto de vista econômico, no momento em que os veículos de comunicação transmitem a possibilidade de repactuação dos contratos de locação comerciais, por exemplo, incentivam que boa parte dos locatários busquem este benefício mesmo que a sua situação fática específica não exija ("comportamento oportunista" [5]). Do ponto de vista econômico, tais notícias dificultam justamente a cooperação pré-existente entre os envolvidos.

Nesse caso, o locatário pode incorrer tanto no caso de bounded rationality ou bounded willpower [6], pois, ao tentar se beneficiar de uma situação que, possivelmente, sequer se aplica ao seu caso, prejudicará uma relação de cooperação para com o locador. Partindo-se da premissa que contratos de locação, via de regra, são de longo prazo, a perda da confiança mútua só aumentará os custos de transação entre as partes.

Nas palavras de Joshua D. Wright e Douglas H. Ginsburg, as tomadas de decisões equivocadas custam caro [7].

Pode-se dizer que o locatário se coloca em uma situação em que podemos analisar na perspectiva da teoria dos jogos (dilema do prisioneiro). Este, tentado com as expectativas criadas pelas notícias veiculadas pelos veículos de comunicação, tende a não cooperar. Ao não cooperar, possivelmente, cria uma desconfiança por parte do locador que, em um momento posterior (possível renovação contratual), exigirá mais garantias do locatário.

Assim, o "comportamento oportunista" criado gerará ao locatário um acréscimo de custos posteriores.

Do ponto de vista do locador, a perspectiva é consequentemente oposta. Acaba ocorrendo o optmistic bias [8]. Com a circulação de notícias contrárias à manutenção dos termos contratuais na forma contratada, o locador, sentindo-se pressionado a relativizar os termos do contrato, acaba por incentivar o retorno às atividades normais, manifestando-se contrário ao lockdown.

Essa reação nada mais é do que reflexa à tomada de decisão do locatário.

Em outras palavras, o locador, ao analisar o índice de mortalidade da Covid-19, o percentual de incidência na localidade em que reside acaba por subestimar a incidência do vírus e, dessa forma, posicionar-se no sentido da retomada gradativa dos negócios.

O denominado desconto hiperbólico (hyperbolic discount) também pode ser utilizado para diagnosticar a atividade do ser humano nestes momentos. Tarefas ou atividades que não possuem recompensa ou punição pelo seu cumprimento ou não cumprimento tendem a ser postergadas (da mesma forma, as tarefas que só gerarão recompensas em momento muito distante). Todavia, tarefas que gerarão recompensas imediatas, não tendem a ser postergadas [9].

Esse é o exemplo da revisão contratual. No momento em que o mercado se apresenta favorável à renegociação e, com intuito de economizar no pagamento do locativo, o locatário toma rapidamente a iniciativa de notificar o locador ou, até mesmo, ajuizar ação pretendendo a redução da despesa.

A "recompensa" na redução (ou até mesmo isenção do pagamento do aluguel) incentiva o locatário a tomar tais medidas rapidamente em desfavor do locador.

Tais situações práticas acabam por bater às portas do Poder Judiciário, que, por sua vez, deve compreender tais atitudes e tentar evitar uma ideia de renegociação de forma indiscriminada, sob a pena de sofrer um abarrotamento de ações desta natureza.

Ou seja, os seres humanos possuem sua racionalidade limitada e, em momentos de crise, são ainda mais sensíveis aos incentivos e desincentivos. A economia comportamental, neste sentido, torna-se ferramenta muito útil para "diagnosticar" algumas mudanças em relações contratuais duradouras.

Portanto, a compreensão destas atitudes se faz cada vez mais relevante e a multidisciplinariedade nas análises casuísticas também.

 


[1] THALER, Richard H. Misbehaving. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019, p. 19-21

[2] JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard. A Behavioral Approach to Law and Economics. Faculty Scholarship Series. 1998, p. 1477-1479.

[3] ZAMIR, Eyal; TEICHMAN, Doron. Behavioral law and economics. New York: Oxford University Press, 2018, p. 237.

[4] ZAMIR, Eyal; TEICHMAN, Doron. Behavioral law and economics. New York: Oxford University Press, 2018, p. 238.

[5] Oliver Williamson define-o utilizando uma célebre formulação: “By opportunism I mean self-interest seeking with guile”. O mesmo autor, ao conceituar o oportunismo, dispõe: "More generally, opportunism refers to the incomplete or distorted disclosure of information, especially to calculated efforts to mislead, distort, disguise, obfuscate, or otherwise confuse". (WILLIAMSON, Oliver E. The Economic Institutions of Capitalism: firms, markets, relational contracting. The Free Press, a Division of Macmillan Inc, 1985, p. 47).

[6] Nas palavras de Eyal Zamir e Doron Teichman, "a large body of experimental and theoretical research in economics and psychology has studied people’s choices involving costs and benefits occurring at different times— particularly the tendency to discount future costs and benefits compared with immediate ones" (ZAMIR, Eyal; TEICHMAN, Doron. Behavioral law and economics. New York: Oxford University Press, 2018, p. 88-89).

[7] WRIGHT, Joshua D.; GINSBURG, Douglas H. Behavioral Law and Economics:  Its origins, fatal flaws, and implications for liberty. Northwestern University Law Review. Vol. 106, N. 3, p. 1033-1088.

[8] Nas palavras de Tali Sharot, "Inferences about what will occur in the future are critical to decision making, enabling us to prepare our actions so as to avoid harm and gain reward. (…)People tend to overestimate the probability of positive events and underestimate the probability of negative events happening to them in the future. For example, we may underestimate our risk of getting cancer and overestimate our future success on the job Market". (SHAROT, Tali. The optimism bias. Current Biology, 2011, R941-R945). Link: https://www.cell.com/action/showPdf?pii=S0960-9822%2811%2901191-2, acessado em 19 de abril de 2020.

[9] ZAMIR, Eyal; TEICHMAN, Doron. Behavioral law and economics. New York: Oxford University Press, 2018, p. 87-88.

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