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Preocupa o setor de saúde o adiamento da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados

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30 de junho de 2020, 12h04

Com a edição da Medida Provisória 959, de 2020, o governo federal apresentou as regras para o auxílio emergencial. Olhos mais atentos identificaram que a MP também prorrogou a vacatio legis da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.709/2018) para 3 de maio de 2021.

No mesmo caminho, segue em curso o Projeto de Lei 1.179/2020, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), que além de disciplinar diferentes instâncias do direito privado, permitindo a alteração em contratos de aluguel e até do Código de Defesa do Consumidor, também define que as punições ligadas ao não cumprimento da LGPD somente poderão ser aplicadas a partir de agosto de 2021, um ano depois do prazo originalmente aprovado pelo governo.

Na realidade do país, parece óbvia a necessidade de postergação da vacatio legis, tendo em vista as medidas de saúde implementadas em grande parte das empresas.

Apesar do tempo ganho, o movimento de adequação à lei parece ter retroagido, principalmente na área da saúde. Em agosto de 2019, a Serasa Experian divulgou uma pesquisa em que 85% das empresas declararam ainda não estar prontas para atender às exigências da lei[1].

O mercado de saúde parece não estar muito distante destes números, o que pode ser relacionado a dois fatores: as mudanças apresentadas pela Lei 13.853, de 2019, e a ainda não operacionalizada Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), apesar da sua criação com a edição da Lei 13.853, de 2019.

O primeiro fator está relacionado às mudanças de redação de alguns dispositivos da LGPD, que passaram a admitir o tratamento de dados pessoais sensíveis para a tutela da saúde, exclusivamente em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária. Parece não haver dúvida entre os profissionais de que o termo “serviços de saúde” engloba a assistência farmacêutica e de assistência à saúde, incluídos os serviços auxiliares de diagnose e terapia.

Em comparação à redação original da lei, as alterações trouxeram tranquilidade ao mercado de saúde, tendo em vista que o tratamento de dados pessoais sensíveis é inerente à atividade desenvolvida.

Entretanto, a lei segue apresentando caráter genérico, como a autorização de comunicação ou o uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica, quando em benefício dos interesses dos titulares de dados.

Esta questão acaba por destacar a necessidade de operacionalizar a ANPD, que poderia trazer balizas melhores aos agentes que participam do tratamento dos dados pessoais. Por esta razão, parece que o mercado segue em compasso de espera, para que a ANPD regulamente a lei e os agentes possam se adequar ao que restar disciplinado.

Em período de Covid-19, a definição dos limites também poderia auxiliar o próprio governo no planejamento e no tratamento da pandemia, como diversos países o fizeram.

Apesar da ausência de instalação da ANPD, é importante enfatizar que as pessoas que tratam dados pessoais já poderiam estar agindo visando tomar conhecimento de sua base de dados e das informações que possuem, reformulando contratos e documentos, para que estes passem a exigir apenas informações necessárias ao fim que motivou a sua obtenção.

A análise prévia da base é o primeiro passo para atender as exigências da LGPD, além de mudanças operacionais, que reduzam o fluxo de informações trocadas e melhorem o rastreio de informações, em caso de ocorrência de incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano relevante aos titulares dos dados pessoais.

Logo, a ausência de regulamentação e a prorrogação da vacatio legis da LGPD não pode justificar eventual omissão dos responsáveis pelo tratamento dos dados. Mostra-se importante destacar que quanto mais tempo as pessoas possuem para se adaptar às regras apresentadas pela lei, menor será eventual “paciência” do fiscal da ANPD, inclusive do Judiciário, quando provocado a analisar eventuais penalidades aplicadas, eis que o tempo já está deixando de ser admitido como desculpa, inclusive pelos aplicadores do direito.

* JurisHealth é um esforço articulado entre profissionais da Saúde, do Direito e da Comunicação, com o objetivo de melhorar a compreensão em torno de temas relevantes do setor de saúde. É uma iniciativa que visa fornecer referências técnicas e analíticas a respeito do sistema de saúde suplementar do Brasil e, assim, prover elementos consistentes para avaliar controvérsias levadas aos tribunais. Saiba mais em www.jurishealth.com.br


[1] Disponível em https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/85-das-empresas-declaram-que-ainda-nao-estao-prontas-para-atender-as-exigencias-da-lei-de-protecao-de-dados-pessoais-mostra-pesquisa-da-serasa-experian, acesso em 16.6.2020.

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