Opinião

Em defesa da instituição, para além das pessoas

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29 de junho de 2020, 16h31

Advogados sempre falaram da magistratura e do Judiciário. Crítica e elogiosamente. Recorde-se, por exemplo, que a célebre obra de Calamendrei, no Brasil vista como Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados¸ tinha, como título original, algo como Elogio dos juízes escrito por um advogado. O elogio de ontem, contudo, cede espaço, aqui, a uma devida e necessária defesa não de juízes, mas, sim, de um dos pilares do Estado Democrático: o Judiciário em si.

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A noção de defesa talvez comporte alguma explicação. Antes de tudo, de se recordar a noção posta é, aqui, despida de um aspecto forense. Aliás, em termos históricos, após a ruptura com as cortes portuguesas, Dom Pedro recebeu o título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil. Aceitou, unicamente, o segundo, dizendo que o Brasil protege-se a si mesmo. Mas sempre seria seu Defensor. Essa lembrança mostra-se necessária quando alguns focos mais candentes de debate são dirigidos ao Poder Judiciário. Não precisa ele, por certo, de protetores. Mas sua defesa compete, também, a todos os operadores do Direito.

Recentemente, o Judiciário tem sido atacado, de modo bastante virulento, em especial o STF. Acusam-se alguns de seus membros de atuações agressivas e desnecessárias. Apontam-se para supostas atuações indevidas, confundindo-se pessoas com as instituições. E isso se mostra muito grave, a ponto de existirem aqueles que, irresponsavelmente, acham que dever-se-ia fechar este ou aquele Tribunal, aposentar-se seus membros ou, ainda, desobedecer ordens judiciais. Alguma palavra em sua defesa, e não necessariamente de seus membros deve, desde logo, ser feita. 

O Judiciário não é dos poderes eleitos, como é o caso do Executivo ou Legislativo. Mas, nem por isso, pode ser visto com qualquer sorte de desdém. Pelo contrário. Tal ponderação já fora vista, de há muito, por inúmeros autores que questionaram a posição do mesmo, face aos outros poderes, os quais seriam legitimados pelas urnas. Tais considerações encontraram resposta no sentido de que acima dos três poderes está a Constituição, e esta, por sua vez, é que é lida, e interpretada, sim, pelo Supremo Tribunal. Poder técnico, sobressai para além do político, tendo uma estabilidade para além de um único Governo.

Seus membros, aliás, são experientes e altamente selecionados. Em primeiro grau, duríssimos exames acabam por outorgar investidura aos melhores colocados. Embora possa haver críticas sobre a áurea, punitiva ou garantista, fiscalista ou não, ou, mesmo tendente a pensamentos morais mais ou menos radicais, ninguém desconhece o aspecto de seriedade dos que se submetem a um dos mais árduos concursos públicos que se tem notícia. Já em segundo grau, os juízes de carreira dividem bancada com juízes escolhidos e oriundos de outras carreiras, como a advocacia e o Ministério Público, intercambiando experiências e visões outras. Nos Tribunais Superiores, a regra, ainda que com outra proporção, se mantém. Somente no Supremo Tribunal é que a composição é de escolha autônoma do Presidente da República. Mesmo assim, e por longeva tradição, sua respeitabilidade sempre foi vista como total respeito à reputação e ao conhecimento jurídico necessário.

De modo geral, há de se entender a Magistratura como real sacerdócio, o que, talvez, no decorrer da segunda década do século 21 se mostre de pouca compreensão. O mencionado Calamandrei, a seu tempo, anotava que “o drama do juiz é a solidão, porque ele, que para julgar deve estar livre de afetos humanos.” Essa imagem, percorreu gerações, e foi, por igual, espelhada em célebre livro de Pereira dos Santos, acerca do solitário ofício de julgar. No entanto, quiçá reflita, a olhos de muitos, uma noção hoje em desuso.

As decisões judiciais sempre se aparentam duras às partes. Investigados podem queixar-se, como réus e todo aquele chamado à Justiça. Mas também há de se recordar que a dinâmica posta se aplica, indistinta e republicanamente, a todo aquele que comparece à Justiça. Guardado o devido processo legal e a presunção de inocência, podem mover-se os ritos indistintamente. Os embates dos advogados deveriam se fixar, justamente, nesse campo, mas com a preocupação de cuidado sobre a moldura da instituição do Poder Judiciário.

Compete, enfim, uma defesa do Poder Judiciário, enquanto poder fundamental à República. Pode-se gostar ou desgostar de um ou outro Ministro, de um ou outro Desembargador, de Juiz desta ou daquela Vara. Pode-se combater-se posicionamentos ou decisões. Mas a magistratura em si não. Tampouco os Tribunais, quer o STF, quer qualquer outro. O respeito esperado às instituições, portanto, é o respeito exigido à Democracia, não devendo caber tolerâncias em ataques de qualquer ordem. Isento e na procura do justo, há de se acautelar-se quem, indistintamente, afirma por bridões ao Judiciário.

Frise-se que este, enfim, não tem, ou deve ter, predileções. Em seu difícil labor, os juízes devem buscar a correção e o ditame da Lei. Ao leigo, sua hermética construção pode, enfim, e por vezes, ou casualmente, parecer, ou soar, ofensiva ou pedante. Mas não o é. Ele tem a dificílima missão de encontrar o equilíbrio da balança da Justiça, e isso pode desagradar a alguns. Mas, quando isso se der, a ponderação deve se dar nos autos, e não no abalo ou afronta de um dos poderes da República. Com isso, só se prejudica a própria República, e a utópica imagem de busca do justo.

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