Opinião

Tribunal do júri virtual levanta grande quantidade de dúvidas

Autor

  • Alberto Hora Mendonça Filho

    é advogado mestre em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (Unit-SE) especialista em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) professor da graduação e pós-graduação em Direito e conselheiro do Instituto dos Advogados de Sergipe (Iase).

29 de junho de 2020, 15h21

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou declaração pública para informar que havia se instaurado no mundo uma situação de pandemia da Covid-19, causada pelo novo coronavírus [1].

Como sabido e sentido, a doença afetou, de modo drástico, a vida humana e as suas mais diversas atividades, desde o comércio até o sistema de Justiça. Entre as medidas de adaptação, surgiu a aprovação da realização de audiências virtuais no Poder Judiciário brasileiro [2].

Afinal, não se poderia interromper, abruptamente, a prestação jurisdicional, pois, além do princípio da duração razoável do processo, é devida a atenção a demandas urgentes, a exemplo das prisões cautelares e das tutelas provisórias, sob pena de grave e irreversível lesão a bens jurídicos.

Pois bem, noticia-se, então, que está em discussão no Conselho Nacional de Justiça proposta para a realização de sessão plenária do tribunal do júri de forma virtual, o que ainda não foi aprovado [3].

A problemática é complexa e aqui não se pretende esgotar o debate, mas chamar a atenção para o que está em jogo e indicar ainda a dificuldade de sua implementação sem prejuízo às previsões constitucionais.

De início, constata-se uma mitigação da plenitude de defesa, garantia prescrita no artigo 5º, XXXVIII, "a", da Constituição Federal, em decorrência das limitações próprias ao sistema de videoconferência.

Dezem explica que "a plenitude do direto de defesa significa que a defesa no âmbito do tribunal do júri deve ser mais intensa do que a defesa para os demais processos em geral" [4].

A transmissão em si já limita a atuação do defensor, pois há uma flagrante constrição das suas potencialidades de convencer e comover. Como assegurar, por exemplo, que o jurado está atento a sessão, quando em frente ao computador, ou que a transmissão chega perfeitamente até o computador de cada jurado sem que haja cortes, o que é comum em tais reuniões digitais?

Ainda mais penoso: de que forma assegurar o sigilo das votações, vide artigo 5º, XXXVIII, "b", CF/88? Além disso, como garantir a incomunicabilidade entre os jurados, prevista no artigo 466, §1º, do Código de Processo Penal?

Quer-se dizer: qual será o método, senão a reunião física do conselho de sentença, para impedir que os jurados naveguem na internet ou utilizem dos aplicativos de mensagem instantânea para conversar entre si ou com terceiros ou ainda busquem notícias, que podem dizer respeito ao próprio júri naqueles casos de maior destaque?

De mais a mais, o Poder Judiciário proverá aos populares convocados o acesso à internet e aos computadores? Porque, como sabido, são limitações que importam na pluralidade econômico-social. Se sim, como será a sua operacionalização.

Com efeito, ainda que fornecidos os equipamentos e o acesso, será que todos conseguem por conta própria manuseá-los? E, em todos os casos, como se dará o controle de tais garantias pelo juízo, pelo Ministério Público e pela defesa?

Enfim, tem-se absoluta ciência de que a situação é excepcional, porém é preciso chamar a atenção sobre esses pontos, que podem impactar não só na ordem constitucional, mas sobretudo na dignidade da pessoa humana submetida a um processo inidôneo.

 

[1] BBC. Coronavírus: OMS declara pandemia 11 mar. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51842518. Acesso em: 23/6/2020.

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Portaria nº 61, de 31 de março de 2020a. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original221645202004015e8512cda293a.pdf. Acesso em: 22/6/2020

[3] MIGALHAS. CNJ: Proposta autoriza realização de Tribunal do Júri por videoconferência. 22 jun. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/329390/cnj-proposta-autoriza-realizacao-de-tribunal-do-juri-por-videoconferencia. Acesso em: 23/6/2020.

[4] DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 3 ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: RT, 2017. p. 937.

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    é advogado, mestre em Direito pela Universidade Tiradentes (Unit-SE), pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e integrante dos grupos de pesquisa Políticas Públicas de Proteção aos Direitos Humanos e Novas Tecnologias e o Impacto nos Direitos Humanos.

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