Opinião

A quem interessa o fim dos concursos públicos?

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28 de junho de 2020, 7h05

Nesta semana, de acordo com a agenda do Congresso, o veto 001/2020 voltou à pauta dos debates legislativos.

O  veto refere-se ao projeto de Lei n° 10.980/2018, iniciado na Câmara de Deputados em 13 de novembro de 2018, que tem como principal objetivo ampliar exponencialmente as possibilidades de contratação direta de escritórios de advocacia privados pelo poder público.

Após uma tramitação acelerada na Câmara dos Deputados, onde sequer houve deliberação em plenário, o projeto foi encaminhado ao Senado Federal em 14 de agosto de 2019, assumindo desta feita a numeração de PL 4.489/2019.

Novamente chama a atenção a tramitação acelerada do PL ora abordado. Nesta ocasião, no entanto, conseguiu-se realizar uma Audiência Pública com a presença da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM), Ministério Público da Paraíba, por conta do projeto ser originário deste estado da Federação, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Controladoria Geral da União e Ministério da Economia. Na oportunidade houve unicidade de entendimentos no sentido de apontar as inconstitucionalidades existentes.

Contudo, contrariando os entendimentos das Associações técnicas e órgãos de controle supramencionados e repetindo, mais uma vez, a tramitação acelerada ocorrida na Câmara dos Deputados, não havendo, novamente, discussões em plenário, o PL foi aprovado e teve sua tramitação concluída em 11 de dezembro de 2019, sendo de imediato remetido à Presidência da República.

No dia 8 de janeiro do ano em curso, a Presidência da República vetou o aludido projeto de lei em sua integralidade, afirmando, dentre outros motivos, que o projeto em análise violaria os princípios constitucionais da obrigatoriedade de licitar e do concurso público.

Note-se que tais princípios são corolários de outros princípios basilares da Administração Pública, tais como o da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, na medida em que oferece igualdade de oportunidades e evidencia o caráter meritocrático a qualquer do povo,  que pretende ora contratar temporariamente com poder público ou ingressar no serviço público brasileiro em caráter definitivo.

Observa-se, que o veto 001/2020 cita expressamente decisão do Supremo Tribunal Federal no inquérito 3074, originário do estado de Santa Catarina. Naquela oportunidade, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso, elencou cinco requisitos cumulativos para a contratação direta de escritórios pelo poder público, quais sejam: 1) procedimento administrativo prévio; 2) notória especialização;3) natureza singular do serviço; 4) demonstração da impossibilidade da prestação do serviço pelos integrantes do quadro; 5)Preço compatível.

Neste passo, em linhas gerais, o projeto de diploma legislativo “in comento”, permitiria a contratação indiscriminada de escritórios de Advocacia Privados para prestarem assessoria e consultoria jurídica ao PODER PÚBLICO.

Frise-se, neste ponto, que o projeto se destina a flexibilizar os limites hoje existentes para contratação direta de Advogados pelo Poder Público. É indispensável pontuar que, atualmente, a contratação direta é possível, sendo até necessária, desde que se obedeça aos balizamentos existentes, e que sejam excepcionais e temporários.

Ao modificar substancialmente o conceito de singularidade do objeto previsto no Estatuto da Advocacia, busca o projeto  subverter a lógica jurídica até então existente na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, abrindo perigosa lacuna  para permitir que tais contratações diretas se deem de modo indiscriminado e sem limitações, em todas as esferas do poder público.

Destaque-se, por oportuno, que contratação direta significa, necessariamente, ausência de procedimento licitatório prévio ou da realização de concurso público.

Com esta possibilidade escancarada, pergunta-se: qual seria o interesse do Administrador Público “de plantão” em continuar realizando Concursos Públicos, tendo em vista que poderia escolher livremente os escritórios de advocacia que melhor lhe aprouvesse, de correligionários políticos seus, inclusive?

 Desta feita, é com imensa preocupação que nos deparamos com esta possibilidade.

Vivenciamos um período onde as instituições e poderes da República tem sido postos à prova diuturnamente e, certamente seria um grande retrocesso ceifarmos a Advocacia Pública , técnica e de Carreira , tida como Advocacia de Estado, e transformá-la em Advocacia de Governo, escolhida livre e sem impedimentos pelo gestor no exercício de seu mandato.

É tempo de fortalecer as instituições, elas são o fundamento do estado democrático de direito e este é o porto seguro para efetivação de valores fundamentais previstos na Constituição Cidadã.

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