Opinião

Advogados precisam estar preparados para a 'nova advocacia'

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27 de junho de 2020, 13h16

Já nos adaptávamos a uma nova advocacia quando o mundo todo parou para se amoldar a uma mudança repentina, que acometeria todas as categorias profissionais de forma global, ainda que seus efeitos refletissem de forma diferente aos desiguais. A erupção da pandemia de Covid-19 atingiria sociedade, mercado e Estado de maneira totalmente imprevista e desconhecida.

Nesse cenário, a advocacia seria mais um dos setores forçados a se ajustar e criar estratégias de adequação e superação de uma das maiores crises que o mundo sofrera em décadas.

Ao resgatar o conceito de crise, tiramos de Schumpeter (1997, p.206) que ela seria o processo de adaptação da vida econômica a novas circunstâncias. Segundo o autor, é inegável que as crises afetam essencialmente a esfera econômica, embora nem sempre sejam detectadas pelo funcionamento dos fatores econômicos por si próprios. Pelo contrário, é possível que as causas verdadeiras das crises sejam detectadas de fora da esfera puramente econômica, vindas de perturbações exteriores que atuam sobre a economia.

A advocacia, que inegavelmente já atravessava um processo de transformação desafiador e acelerado, frente aos avanços tecnológicos e à alta evolução digital, precisou consolidar uma nova forma de ser exercida. Se antes da pandemia o uso da inovação e das chamadas lawtechs e legaltechs era uma vanguarda para alguns escritórios, depois da Covid-19 passou a ser imprescindível para praticar atos simples.

No primeiro momento, então, a advocacia precisou se adequar para viver a fase de contenção de propagação do vírus, tomando as medidas que experimentamos até aqui: um maior contato com ferramentas tecnológicas, ao passo que se perdia o contato físico tão tradicional da profissão, seja no dia a dia com colegas, sócios, clientes ou servidores do Judiciário. Pela primeira vez na nossa história, passamos a trabalhar maciçamente em home office.

Isso tudo resultou também em novas práticas perante o Judiciário, os clientes e nós mesmos. Se ainda não, logo passaram a ser implantadas as primeiras audiências virtuais, as sessões de julgamento por videoconferência, os atendimentos por telefone, as reuniões telepresenciais e muita, muita produção de conteúdo de forma amplamente compartilhada.

Agora numa segunda fase, a maioria dos Estados que proibiram o funcionamento de escritórios de advocacia passa a incluí-los no plano de reabertura. Como se sabe, porém, a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é por manter a rigidez para liberação das atividades em geral, motivo pelo qual nossa categoria precisa agir com ponderação. A reabertura dos escritórios de advocacia, sobretudo os atendimentos ao público externo, deverá seguir um protocolo de retomada bem organizado para evitar a proliferação do vírus.

Advogados e advogadas precisarão avaliar suas atividades, suas próprias situações e as condições de seus clientes. É claro que alguns escritórios, principalmente aqueles que defendem direitos de pessoas físicas, muitas delas até totalmente carentes de recursos tecnológicos ou mesmo incapacitadas de utilizá-los, parecem ter ainda mais urgência em disponibilizar um atendimento viável em seus espaços. Mais do que nunca, a advocacia terá um papel relevante para assegurar o direito constitucional de acesso à Justiça.

Os protocolos de retomada econômica dos escritórios de advocacia necessitarão, além das medidas de minoração do contágio, estar em constante atualização, não só para cumprir as exigências da lei local como também para acompanhar a dinâmica e o estado de saúde de seus colaboradores.

Porém, passada essa segunda fase de retomada, muito se especula sobre a terceira fase da advocacia pós-pandemia, que estaria imersa no chamado "novo normal". Nesse estágio, há quem diga que veremos uma consolidação das novas práticas adotadas pelo Judiciário, pelas relações contratuais e pelas interações interpessoais de maneira geral.

Assim, as audiências virtuais que não causem fragilidades processuais, a exemplo da polêmica oitiva de testemunha de forma remota, parecem ter vindo para ficar. Também as tratativas de acordos extrajudiciais e os métodos consensuais de solução de conflitos tenderão a ganhar mais espaço para resolver as contendas de modo mais ágil e a pular etapas processuais. As reuniões no meio corporativo, no mínimo boa parte delas, certamente passarão a se firmar pelas plataformas online. Da mesma forma, é provável que seguiremos com os julgamentos e sustentações orais por videoconferência e o despacho auricular com magistrados.

As inovações, sem dúvida, trazem praticidade e celeridade para todas as partes, mas os advogados deverão estar atentos ao novo formato para a ele se ajustarem. Deverão, por exemplo, ser ainda mais objetivos nas mensagens e precisos em seus memoriais orais, a fim de não enfadar ou perder a atenção do receptor. Importará cuidar, também, de reinventar a proatividade e a proximidade, mesmo de longe.

Nesse cenário, precisaremos ter ainda mais cautela no traquejo social com todas as pessoas com quem lidaremos virtualmente, cabendo compreender muitas vezes as situações adversas pelas quais podem estar passando, ou por eventuais instabilidades causadas pelo atual contexto de home office que vivenciamos.

Fato é que é justamente durante esses tempos de adversidades que advogados e advogadas podem encontrar oportunidades para triunfar, criando soluções e medidas facilitadoras para inúmeros problemas. Temos um campo farto para empreender novas formas de comunicação rápida e eficaz, além de novos modelos de contratação e execução de serviços, sobretudo os serviços jurídicos propriamente ditos.

Fala-se, ainda sobre a terceira fase, que haverá uma onda de sobrecarga de demandas em algumas esferas do Judiciário, boa parte causada pelos desdobramentos causados pela pandemia. Não é à toa que em vários sistemas eletrônicos dos tribunais já se inclui o assunto Covid-19 no cadastro das ações.

Deve-se ter em mente, pois, que mesmo quando se declare um fim a esta crise, a advocacia ainda estará a cuidar de seus efeitos por algum tempo. Nosso novo trabalho começa agora, assim como nossa preparação para o que está por vir, estejamos certos ou não sobre as previsões. Afinal, nossa categoria já mostra que um terreno de estabilidade não é condição sine qua non para que se possa atuar.

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