Opinião

É hora da retomada da arbitragem tributária no Brasil

Autores

  • Tathiane Piscitelli

    é professora da FGV Direito-SP coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-SP doutora e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e co-coordenadora do Grupo de Pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito-SP.

  • Andréa Mascitto

    é sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados vice-presidente jurídica da Câmara de Comércio Brasil-Canadá membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-SP professora de Direito Tributário da FGVlaw mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo especialista em Direito Tributário pela FGVlaw e co-coordenadora do Grupo de Pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP.

  • André Luiz Fonseca Fernandes

    é sócio do escritório Alcides Jorge Costa Advogados Associados mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie especialista em Direito Tributário pela PUC-SP membro do Grupo de Pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito-SP e conselheiro do Instituto Brasileiro de Arbitragem Tributária.

26 de junho de 2020, 12h25

No ano de 2020, o grupo de pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito-SP, coordenado pelas coautoras deste artigo e por Paulo César Conrado, vem fomentando, por meio de pesquisas e discussões nas reuniões mensais, debates públicos sobre arbitragem e transação tributárias.

Com o objetivo de fornecer subsídios à criação da arbitragem tributária no Brasil, o grupo também apresentou sugestões no âmbito do processo legislativo [1], atinente ao Projeto de Lei (PL) nº 4.257/2019, de autoria do senador Antonio Anastasia. Trata-se de iniciativa que pretende alterar a Lei nº 6.830/1980 para, entre outras medidas, autorizar a resolução, via arbitragem tributária, de litígios materializados em embargos à execução fiscal, ação anulatória de ato declarativo da dívida fiscal e ação consignatória.

Atualmente, a tramitação do PL está suspensa. Argumenta-se que não é o momento de pensar em arbitragem tributária, devendo o Poder Legislativo e o Poder Executivo concentrar esforços em medidas que pudessem fazer frente aos graves problemas provocados pela pandemia do coronavírus e aos efeitos políticos, econômicos e sociais dela decorrentes.

Na opinião das autoras e do autor deste artigo, é hora, porém, de retomar a tramitação do PL, exatamente porque a arbitragem tributária pode ter um papel relevante para mitigar os efeitos econômicos provocados pela pandemia.

Em Portugal, país pioneiro na adoção do instituto, sua criação decorreu, justamente, de razões econômicas que demandavam ampliação da segurança jurídica, de um lado, e maior nível de receitas públicas, de outro. Em linhas gerais, a arbitragem tributária portuguesa implicou a ampliação da atuação jurisdicional para obtenção de soluções efetivas e céleres para as disputas tributárias e uma das facetas que revelam sucesso do instituto reside na prevenção de litígios tributários: a maior contemporaneidade entre a legislação em vigor e a jurisprudência arbitral (oriunda de decisões céleres e técnicas) permite que os contribuintes e a Administração Fiscal avaliem melhor as suas condutas e as normas aplicáveis, evitando o surgimento de controvérsias.

Esse aspecto da arbitragem tributária portuguesa é muito relevante, sobretudo quando se nota que as melhorias de segurança jurídica em matéria tributária são extremamente desejáveis no contexto da pandemia da Covid-19. Como mostra o relatório da OCDE Tax Administration Responses to Covid-19: Measures Taken to Support Taxpayers, para fazer frente aos problemas tributários em época de pandemia, os Estados "devem levar em consideração a possibilidade de permitir uma segurança jurídica rápida aos contribuintes no que diz respeito ao seu passivo fiscal, nas situações nas quais isto possa desbloquear fluxo de caixa ou liberar recursos" [2].

A arbitragem tributária pode funcionar como instrumento auxiliar de inegável utilidade para mitigar os efeitos provocados pela pandemia. Como se vê em Portugal, uma "segurança jurídica rápida" pode ser atingida na seara tributária por meio da esfera arbitral, com a definição mais célere do que deve ou não ser considerado passivo fiscal pelo contribuinte e pela Administração Fiscal. Como resultado, menos litígios e mais recursos para que o Fisco português e os contribuintes consigam enfrentar a grave crise econômica que está em curso.

Por essa razão, faz-se fundamental que tal instrumento volte, o quanto antes, a ser discutido pelo Congresso Nacional brasileiro, na forma do PL e das sugestões a ele apresentadas. Nesse sentido, é oportuno notar que, no âmbito da disciplina legal brasileira de transação tributária federal, há autorização expressa para que métodos alternativos de solução de litígio em geral, e não apenas a transação tributária sejam postos em prática, por ato do Ministro da Economia [3], para resolução de processos de pequeno valor (artigo 23, inciso II da Lei nº 13.988/2020). Isso mostra que o Congresso Nacional está atento à relevância dos citados métodos alternativos que incluem a arbitragem no campo tributário.

O Poder Executivo brasileiro também reconhece o papel que os meios alternativos de resolução de litígios tributários podem desempenhar como instrumentos auxiliares de mitigação de crises econômicas. Prova disso são as recentes transações tributárias extraordinária e excepcional, especificamente voltadas a assegurar a conformidade fiscal do contribuinte e a auxiliá-lo a superar a crise provocada pela pandemia [4].

Cabe agora a ambos Congresso Nacional e Poder Executivo reconhecer que a maior amplitude de acesso à jurisdição [5] confere, como se dá em Portugal, segurança jurídica efetiva e "rápida". É, portanto, indispensável retomar a tramitação do PL para que a arbitragem tributária possa servir como novo e eficaz instrumento para lidar com os efeitos da grave crise econômica em curso.

 


[1] O PL estava, por ocasião da elaboração deste texto, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Aguardava-se a apresentação de relatório pelo senador Tasso Jereissati.

[2] Em tradução livre do texto original em inglês. CIAT/IOTA/OECD (2020), Tax Administration Responses to COVID-19: Measures Taken to Support Taxpayers, OECD, Paris, p. 46 (cf. https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=126_126478-29c4rprb3y&title=Tax_administration_responses_to_COVID-9_Measures_taken_to_support_taxpayers). Acesso em 8/6/2020..

[3] Há, porém, fundadas dúvidas, cuja exposição não cabe nos limites deste texto, sobre a validade deste dispositivo.

[4] MASCITTO, Andréa e FERNANDES, André Luiz Fonseca, Medidas para Mitigar os Impactos do Coronavírus na Economia, Jota. Publicação de 20.3.2020 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/medidas-para-mitigar-os-impactos-do-coronavirus-na-economia-20032020) e FERNANDES, André Luiz Fonseca, A Necessidade de uma Transação Tributária Realmente Extraordinária, Migalhas. Publicação de 6/5/2020 (https://www.migalhas.com.br/depeso/326159/a-necessidade-de-uma-transacao-tributaria-realmente-extraordinaria).

[5] PISCITELLI, Tathiane, Arbitragem no Direito Tributário: Uma Demanda do Estado Democrático de Direito in Arbitragem Tributária: Desafios Institucionais Brasileiros e a Experiência Portuguesa, PISCITELLI, Tathiane, MASCITTO, Andréa e MENDONÇA, Priscila Faricelli de (coord.), 2ª ed., rev., atual. e amp., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 185 a 187.

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    é professora da FGV Direito SP e coordenadora Núcleo de Direito Tributário Aplicado do mestrado profissional dessa instituição. Doutora e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Academic visitor na Universidade de Oxford. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP.

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    é sócia da área tributária do Pinheiro Neto Advogados.

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    é sócio do escritório Alcides Jorge Costa Advogados Associados, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, membro do Grupo de Pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito-SP e conselheiro do Instituto Brasileiro de Arbitragem Tributária.

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