Opinião

Cláusula MAC pode ser de grande valia em momentos de dificuldades financeiras

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  • Gabriel Magalhães Comegno

    é pós-graduado em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) co-autor de livros e diversos artigos jurídicos e advogado especializado em Direito Empresarial com foco em atuação em Societário M&A e Venture Capital.

26 de junho de 2020, 6h33

O ano de 2020 se mostrava muito promissor para o desenvolvimento econômico. Com a lenta, porém constante, recuperação econômica, Bolsa de Valores quebrando recorde atrás de recorde, resultados animadores apresentados pela maioria das empresas que, ao tempo, enxergavam um cenário favorável para expandir e realizar grandes investimentos.

Entre esses investimentos, estão as operações de fusões e aquisições, as quais correspondem a um movimento societário inorgânico de crescimento, de modo que uma companhia adquire parte ou totalidade de outra. De acordo com o site PWC Brasil, o mês de janeiro de 2020 foi registrado com o maior volume já apresentado para este mês, somando 89 transações [1].

Entretanto, em meados do mês de fevereiro o mundo foi surpreendido com o rápido alastramento do vírus causador da Covid-19, que em um curto lapso de tempo se tornou uma pandemia, afetando a economia mundial, os resultados das empresas e, consequentemente, nos levando a uma recessão.

Diante da brusca alteração nas condições da economia global, muitas negociações de M&A se viram prejudicadas, principalmente aos olhos daqueles que se encontram na posição de compradores, que viram tanto os resultados quanto os ativos das empresas que estavam sendo adquiridas serem impactadas de forma considerável.

Frente a esse cenário, muitos investidores/compradores se vêem em um momento de riscos e incertezas, principalmente no que diz respeito à condução da negociação, haja vista que suas especificidades e os aspectos que formaram o interesse do investidor foram radicalmente afetados, tornando o negócio muito menos atrativo e, talvez, desvantajoso.

Por situações complexas e imprevisíveis como essas, torna-se imprescindível a elaboração de um bom contrato com cláusulas específicas, as quais visam a englobar todas as situações possíveis, a fim de proporcionar ao comprador a segurança de desistir do acordo de fusões ou aquisições sem qualquer ônus.

A situação supracitada pode ser facilmente regulamentada no contrato de M&A através da cláusula Material Adverse Change, comumente chamada Cláusula MAC.

Nas palavras de West Glenn: "De acordo com essa cláusula, o investidor, na posição de buy side, poderá desistir do negócio se a empresa alvo sofrer uma diminuição ou perda de seus ativos, condições, operações, resultados ou expectativas, oriundos de eventos ou ocorrências imprevistas, sem que essa desistência possa gerar ao investidor qualquer penalidade" [2].

Portanto, essa cláusula possui grande potencial de colocar o comprador em posição confortável na negociação, haja vista a possibilidade de renegociação das condições anteriormente acordadas ou até mesmo desistência do negócio.

Entretanto, essa cláusula não pode ser aplicada arbitrariamente, devendo ser levada em consideração a proporção da negociação.

No Brasil, por exemplo, tivemos o caso envolvendo o Grupo Ânima Educação, que em 2014 tornou pública a aquisição da Universidade Veiga de Almeida e do Centro Universitário Jorge Amado, pelo montante de R$ 1,14 bilhão. Entretanto, em decorrência de alterações sofridas nas regras do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), a Ânima Educação optou por voltar atrás na operação e cancelar a aquisição, uma vez que ela passaria a afetar consideravelmente o caixa, bem como outros fundamentos das companhias a serem adquiridas.

Já na corte dos Estados Unidos, no case envolvendo as farmacêuticas Akorn e Fresenius, o tribunal de Delaware entendeu que a Akorn Inc. sofreu uma dropped off a Cliff, isto é, uma queda brusca em seus resultados, tais como receita, receita operacional e lucro por ação, que caíram 25%, 105% e 113%, respectivamente, e seus ebitda e ebitda ajustados caíram 86% e 51%, respectivamente, situação em que a queda não demonstrou qualquer perspectiva de redução, situação em que seria totalmente aplicável a Cláusula MAC.

Destarte, nota-se que, ainda que não haja um parâmetro exato para sua incidência, é pacífico que não basta uma simples queda nas vendas da empresa, como regularmente ocorre com as companhias atuantes em setores cíclicos, que, em decorrência dessa característica, naturalmente possuem períodos de baixa lucratividade.

Por outro lado, tem-se que, para a incidência da Cláusula MAC, é necessária a queda considerável dos ativos, de modo que afete boa parte dos fundamentos que levaram o comprador a realizar a aquisição, como pudemos observar nas companhias aéreas e empresas de turismo no período de Covid-19.

Portanto, nota-se que a cláusula MAC pode ser de grande valia, especialmente em momentos de dificuldades financeiras e estruturais da companhia alvo da operação, ou, como estamos presenciando, também em períodos de crises econômicas, de modo que uma boa redação no contrato trará maior segurança ou comprador, o qual sempre precisa buscar administrar os riscos envolvidos em seus investimentos.

 


[2] WEST, Glenn. Avoiding the Mindless Use of the Brainless MAC Clause. 2017

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