In dubio pro reo

Simples existência de dúvidas não retira a presunção de inocência do réu

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24 de junho de 2020, 19h14

Ao se provar que o fato indicante não existiu ou se ele é duvidoso, porque não se revelou plenamente comprovado, por melhor que seja o processo indutivo escolhido, nunca se alcançará um produto com confiança mínima para deitar uma condenação. A simples existência de dúvidas arreda a possibilidade de considerar o indício como elemento de prova para retirar a presunção de inocência do réu.

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Local da chacina de Colniza, município no extremo norte de Mato Grosso, que faz fronteira com Amazonas e Rondônia
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Com base nesse entendimento, o desembargador Orlando Perri, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, votou pela absolvição sumária de Pedro Ramos Nogueira e Valdelir João de Souza.

O recurso em sentido estrito foi interposto em face da decisão proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Colniza, o qual os pronunciou pela prática dos crimes de constituição de milícia privada (artigo 288-A do CP), e de nove homicídios qualificados pelo motivo torpe, por meio cruel, com recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa do ofendido, e praticado por milícia privada (artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV, conjugados com §6º, do CP), na forma dos artigos 29 e 69, ambos do CP, submetendo-os a julgamento perante o Tribunal Popular do Júri, no caso que ficou conhecido como a "chacina de Colniza".

No recurso, a defesa sustenta que a decisão de pronúncia se baseou apenas na presunção de que Pedro Ramos Nogueira faria parte do grupo criminoso, pois foi visto na companhia de pessoas que integravam "os encapuzados".

Os defensores argumentam que não existe um único depoimento em juízo que comprove que o acusado estava presente no local do crime, muito menos que tenha ceifado a vida de quem quer que seja.

Em relação às acusações contra Valdelir João de Souza, a tese da defesa é que ele "não foi autor nem partícipe dos fatos apurados, e que o magistrado de origem respaldou a pronúncia apenas e tão somente no combalido princípio do in dubio pro societate, mesmo tendo reconhecido e admitido a existência de questões pendentes de elucidação".

Ao analisar o recurso, o magistrado pontuou sobre as provas apresentadas tanto na fase de inquérito quanto na judicial e pontuou sobre a diferença entre presunção de inocência, in dubio pro reo e sobre a função do órgão acusador que tem o dever de provar o crime de quem acusa, já que quando não se desempenha a contento o ônus probatório que lhe cabe leva a absolvição.

Sobre os argumentos apresentados em defesa de Pedro Ramos Nogueira, o magistrado registrou longo inventário de todas os testemunhos do inquérito e concluiu que a principal prova dos autos do processo era exclusivamente indiciária. A principal testemunha de acusação afirma ter visto Pedro em local próximo onde os crimes ocorreram junto a um grupo de homens armados que ele supôs serem de um grupo miliciano. No entendimento do desembargador, a autoridade policial "não conseguiu obter nenhuma prova direta incriminatória dos recorrentes".

"Tão importante quanto à existência de prova induvidosa dos indícios, é a forma e o meio como eles foram introduzidos no processo. O fato-base, para que sirva de alavanca ao conhecimento do fato pesquisado, deve ser produzido sob todas as garantias do processo, não se prestando a tal fim as informações do inquérito, obtidas sem o contraditório, publicidade, oralidade e imediação, salvo se se tratar de provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas", diz trecho do voto.

Já em relação aos argumentos apresentados em defesa de Valdelir João de Souza, o magistrado aponta que o réu foi inferido como mandante do crime com base no testemunho de um morador local que teria identificado Pedro — que é funcionário da madeireira de Valdelir —, negócio que o faria, supostamente, ter interesse nas madeiras existentes nas terras que os "encapuzados" pretendiam se apossar.

"Na realidade, há um encadeamento de induções, todas baseadas em indícios contingentes frágeis, a começar pela afirmação de Osmar de que, estando escondido ou em cima de um pé de uxi, reconheceu, no crepúsculo daquele dia, a pessoa de Doca entre aquelas que passaram na estrada, em direção aos locais da chacina", pontua o magistrado.

Por fim, o magistrado afirma que situação dos autos não é de dúvidas, que autorizariam a impronúncia, mas de certeza quanto à inocência dos recorrentes diante do álibi comprovado de Pedro Ramos Nogueira, que demonstrou não ser ele a pessoa que Osmar Antunes viu nas proximidades do teatro dos crimes. Posto isso, decidiu pelo provimento do recurso e absolvição sumária dos réus.

O julgamento do caso teve início no TJ-MT com o voto de Perri e o resultado foi adiado em função de um pedido de vista do desembargador Marcos Machado.

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48246/2019

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