Opinião

Os prós e os contras do pedido de recuperação judicial

Autor

  • Marcos Roberto de Moraes Manoel

    é advogado em São Paulo mestrando em Direito dos Negócios pela FGV-SP LLM em Direito Societário pelo Insper e pós-graduado em Finanças Corporativas e Direito do Mercado de Capitais pela FGV-SP com extensão em Direito dos Contratos pela Harvard Law School em Recuperação de Empresas e Falências pela PUC-SP e em Filosofia Moral e Política pela Harvard University.

24 de junho de 2020, 6h05

Passados quase três meses desde a decretação do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia da Covid-19, ainda não se conhece a profundidade e a extensão da crise econômica que veio a reboque.

É notório que o PIB encolherá, sendo que a OCDE estima uma retração de 7,4% e o Banco Mundial, de 8%. As pessoas sofrem com o desemprego e a diminuição de renda, ao passo que as empresas, salvo raras exceções, enfrentam diminuição de receita e de lucro e, consequentemente, problemas de caixa, com dificuldade para honrar os stakeholders e o Fisco.

Sabe-se, outrossim, que empresas de diversos segmentos já aforaram pedidos de recuperação judicial, buscando a guarida do Poder Judiciário para o fim de reorganizarem suas atividades e finanças e continuarem a existir no pós-crise. No mês de maio próximo passado, houve um aumento de 69% nos pedidos de recuperação judicial e de 30% nos pedidos de falência em comparação com o mês anterior.

É uníssono entre analistas econômicos que muitas outras empresas também recorrerão à legislação de insolvência, projetando-se, inclusive, a incapacidade do Poder Judiciário em lidar com a avalanche de ações judiciais, mormente em face dos princípios da celeridade e da razoável duração do processo, ambos de alçada constitucional, norteadores, também, do Código de Processo Civil e da própria Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005).

Inquietam-se empresários e executivos com questões práticas relativas ao instituto da recuperação judicial, tais como, qual seria o momento adequado de se requerê-la, quais seriam os prós e os contras de se buscar a proteção judicial e quais seriam as consequências de um eventual insucesso da ação com a decretação de quebra da empresa.

É importante desmistificar o instituto em um primeiro momento. Via de regra, empresários e gestores têm receio, desconfiança e constrangimento em relação à recuperação judicial. Pensam que, caso lancem mão do instrumento, serão negativamente julgados pelos seus pares e pelo mercado, estando fadados à falência. Não é incomum, também, acreditarem que a recuperação judicial não é eficaz e demasiadamente burocrática.

Dessa forma, diante da crise econômico-financeira da empresa, adotam uma postura de negação, ou "esticam a corda", testando o limite do possível, indo às últimas consequências. Por vezes, tais posturas podem funcionar e a empresa se recuperar sem a necessidade de recurso à legislação de insolvência, mas, no mais das vezes, quando se percebe, já é tarde demais e a empresa torna-se inviável, terminando por ir à bancarrota.

É preciso uma mudança de mentalidade. O risco de insolvência sempre foi inerente à atividade empresarial, tanto é que, desde o Império Romano, de forma mais rudimentar, passando pelas cidades-estados de Gênova, Veneza, Milão e Florença, quando se concebeu o embrião do Direito da Insolvência atual, em razão do desenvolvimento da mercancia, já existiam regras cuidando do devedor que não consegue honrar suas obrigações.

A recuperação judicial, com todas as suas falhas, e estando longe de ser ideal, tem uma legislação e uma prática consolidada, além de um corpo jurisprudencial robusto, inclusive sobre temas sensíveis, com juízes especializados na matéria, tanto em primeira, como em segunda instância e no STJ. Sendo assim, ela permite a criação de um ambiente organizado e seguro para que a empresa em crise obtenha oxigênio e possa negociar bons termos com seus credores, visando à superação do desequilíbrio e a continuidade, o que certamente é de interesse de todos os envolvidos, inclusive do Estado.

Vale ressaltar que o arcabouço jurídico da insolvência é regido pelos princípios da preservação da empresa, da recuperação das empresas viáveis e liquidação das não recuperáveis, e da participação ativa dos credores, de forma que é incontestável o espírito maior da lei.

Ultrapassada a questão ontológica relacionada à recuperação judicial, mister assentar que existe um momento certo para se socorrer do instituto, qual seja, quando a empresa ainda tem recursos financeiros em caixa, ou a capacidade de produzi-los, para que se possa arcar com os custos iniciais do processo e se manter a operação, mesmo que em níveis mínimos. Portanto, a gestão da empresa deve ter a sensibilidade, o realismo e o senso de autocrítica para identificar este momento, quando se vislumbra um crescimento arriscado do endividamento, aliado ao comprometimento da capacidade de pagamento da empresa.

Outro aspecto que deve ser sopesado pela gestão para que se decida ou não pelo recurso à moratória legal é o perfil da dívida da empresa, isto é, quais são os tipos de créditos e suas respectivas classificações de acordo com as classes previstas na Lei de Recuperações Judiciais e Falências (vale recordar, créditos trabalhistas; créditos com direitos reais de garantia; créditos quirografários com privilégio especial, com privilégio geral ou com privilégio subordinado; e créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte).

Se a maior parte dos créditos for representada por créditos extraconcursais, ou seja, aqueles que não se sujeitam aos efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial e não se sujeitam à proposta de equacionamento a ser realizada por meio do plano de recuperação, não fará sentido o ajuizamento da ação

No que tange aos prós relativos ao aforamento do requerimento de recuperação judicial, cumpre fazer as seguintes considerações.

A recuperação judicial apresenta como primeira grande vantagem, uma vez deferido o seu processamento, a suspensão de todas as ações e execuções movidas contra a empresa recuperanda pelo prazo mínimo de 180 dias. Esse efeito aliviará a pressão sobre a empresa e permitirá que a gestão, juntamente com os demais atores envolvidos no processo, possam se focar na elaboração do plano de recuperação e na continuidade do dia-a-dia da empresa, sem terem que se preocupar com cobranças extrajudiciais, a torrente de ações, constrições judiciais e até mesmo eventuais pedidos de falência contra a empresa.

Outro aspecto positivo é o congelamento da dívida existente no momento da impetração da recuperação judicial. Apresentado o plano de recuperação e, uma vez seja ele homologado, referida dívida será novada e paga nos termos do plano.

Ainda, o deferimento do processamento da recuperação judicial cria um ambiente mais favorável e vantajoso para que a empresa recuperanda negocie com os credores, ou seja, ela passa a ostentar um maior poder de barganha. Dessa forma, ela poderá propor carência para início dos pagamentos, prazos mais dilatados, deságio (também conhecido como haircut no jargão da insolvência) e atualização monetária mais benéfica em comparação com aquelas contratualmente ou legalmente estabelecidas.

Todas essas alternativas podem, ainda, ser conjugadas com outras medidas, tais como a alienação de controle societário e/ou de um ou mais segmentos de negócio e/ou de ativos, o trespasse de estabelecimentos, a emissão de equity a ser subscrito por investidor estratégico, entre outros exemplificativamente enumerados no artigo 50 da lei de regência.

Por outro lado, a recuperação judicial também apresenta desvantagens. Em um primeiro momento, há de se considerar os custos do processo, na medida em que profissionais do campo econômico-financeiro, contábil e jurídico, que são imprescindíveis ao processo, são caros. Há, ainda, os custos com os honorários do administrador judicial e com a assessoria técnica, como, por exemplo, o perito contador.

O empresário e/ou o gestor também há de ter em mente que a impetração da ação judicial exporá a empresa ao mercado, pois o processo será público e, invariavelmente, todos aqueles que mantêm relações com a organização tomarão conhecimento. A partir disto, advirá o aumento da percepção de risco em relação à empresa, acarretando o encarecimento do custo financeiro e a maior dificuldade de acesso ao crédito, bem como diminuição dos volumes, quando concedidos.

Outra consequência indesejada relacionada aos mencionados aspectos é o risco de rompimento com fornecedores e clientes. Fornecedores podem ficar receosos quanto ao recebimento de novos créditos e clientes podem passar a desconfiar da capacidade de entrega da empresa recuperanda, da qualidade do produto, do cumprimento de prazos e de serviços pós-venda.

Demais disso, outro ponto negativo é a existência de créditos extraconcursais, os quais não estarão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, tendo que ser honrados de qualquer forma, sob pena de efeitos adversos próprios.

E, ainda, outra preocupação é a eventual decretação da quebra em si, caso o plano de recuperação não seja aprovado e homologado e, posteriormente, cumprido, fato que traz consequências draconianas para a empresa, para seus sócios ou acionistas e, possivelmente, para os administradores, as quais podem inclusive repercutir na esfera penal na hipótese de identificação de atos fraudulentos que configurem crime falimentar.

Alternativamente ao requerimento de recuperação judicial, empresários e gestores podem considerar a tentativa de negociações extrajudiciais ou administrativas.

As vantagens das negociações extrajudiciais são a economia com os custos do processo judicial, a não exposição da empresa ao mercado e a inclusão de todos os créditos que compõem o passivo da empresa nas tratativas (isto é, o que em um processo de recuperação judicial seriam os créditos concursais e os extraconcursais).

De outra forma, algumas desvantagens podem ser apontadas na opção pelas negociações administrativas.

Por exemplo, o aumento do grau de risco para a empresa, incluindo o risco de execuções, tendo em vista que ela não estará protegida pelo stay period.

Em segundo lugar, o baixo poder de negociação que a empresa terá com os credores, na medida em que não se formará o ambiente proporcionado pela recuperação judicial (notadamente pela assembleia geral de credores).

Outro ponto negativo é a elevação do custo de capital e do custo financeiro, com exigências de garantias adicionais pelos financiadores, a imposição de prazos de pagamento inferiores e redução dos limites de crédito, consequências naturais e esperadas do aumento de risco relacionado a um negócio.

Por derradeiro, é possível que, também como decorrência das aludidas desvantagens da negociação extrajudicial, a empresa passe a ter menor geração de receita e de lucratividade, o que tende a perdurar enquanto remanescerem as percepções negativas do mercado e a empresa não conseguir demonstrar cabalmente que venceu a crise econômico-financeira.

Vale trazer à tona, ainda, a possibilidade de recurso à recuperação extrajudicial, prevista nos artigos 161 a 167 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, conhecida como "concordata branca" no sistema anterior ao advento da lei atual.

Nessa hipótese, o devedor, observadas as mesmas vantagens e desvantagens de uma negociação extrajudicial, pode identificar uma ou mais classes de credores específicos, cujas relações comerciais sejam mais estratégicas e delicadas, para com eles barganhar melhores termos, com efeito propondo e empregando verdadeiro plano de recuperação, sujeitando o acordo à homologação judicial.

Feitas essas considerações sobre a matéria, pode-se asseverar que a recuperação judicial é regida por um arcabouço normativo sólido, havendo consolidada jurisprudência sobre a matéria, que vem sendo criada ao longo dos tempos por juízes, câmaras e turmas de tribunais especializados, inclusive em âmbito superior.

Ademais, há no país profissionais capacitados atuantes na área, desde economistas, financistas, contadores, administradores de empresas e advogados de insolvência, plenamente aptos a assessorarem e apoiarem empresários e gestores no difícil momento da crise empresarial. Nesse ponto, relevante uma observação adicional: a escolha do advogado que conduzirá o processo é crucial, posto que a empiria tem demonstrado ser frequente o emprego de petições iniciais e planos de recuperação genéricos e uniformizados, o que obsta as probabilidades de êxito.

Em suma, empresários e gestores devem considerar os diversos prós e contras inclusive quanto à própria natureza da atividade empresarial realizada pela empresa, se seria ela compatível ou não com o instituto , conforme  se  aspirou discorrer neste breve artigo, sem, contudo, se pretender esgotar um tema tão sensível, intrincado e complexo. Certo é que, se se decidir pelo recurso à legislação de insolvência, o processo de recuperação judicial proporcionará ao devedor um fórum probo, transparente, isonômico e que poderá ser eficaz aos fins a que se destina, se for utilizado da maneira correta.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!