Opinião

A possibilidade de alteração de registro civil do transexual sem cirurgia

Autor

  • Carolini Cigolini Lando

    é advogada de Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

23 de junho de 2020, 7h07

Falar de transexual no Brasil e seus direitos é especialmente difícil por sermos o país que mais mata essa parcela significativa da população. O transexual não apenas o é quando se submete a uma cirurgia para a mudança do sexo, isso porque ele é assim considerado quando apresenta características físicas e, sobretudo, psicológicas que nada tem a ver com o corpo que nasceram, seja o corpo masculino ou feminino. 

Alterar o sexo e o nome no registro civil é um direito personalíssimo da pessoa trans e não deixa de ser  uma forma de frear a violência, uma vez que afastará constrangimentos e preconceitos. Há muitos anos o Conselho Nacional de Medicina considerava a cirurgia para mudança de sexo um ato contrário à ética, sendo considerado, inclusive, crime de lesão corporal, passível de punição pela Justiça.

 Demoramos muito para assegurar direitos às pessoas trans. A passos curtos os casos levados ao judiciário foram responsáveis por moldar o cenário que temos hoje.

 A Constituição assegura dentre tantos, o direito à identidade e o direito à felicidade. Seria hipócrita e mesmo inconstitucional condicionar a alteração do nome da pessoa trans a uma cirurgia para redesignação de sexo. De acordo com um levantamento feito pela Associação Nacional de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil) em 2018, cerca de 64% do total de retificações em registro civil de pessoas trans ocorreram no estado de São Paulo. Vencemos essa batalha!

 Legislação
O legislativo nunca deu muita importância ao tema e sempre ficou a cargo do Judiciário resolver esses casos. Ainda em 2009 a posição que vinha sendo adotada pelo STJ era a de ser possível a alteração de nome e sexo no registro de nascimento do transexual desde que tivesse se submetido à cirurgia para redesignar seu sexo.

 No mesmo ano, a Procuradoria Geral da Justiça ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ADI — Ação Direta de Inconstitucionalidade, de número 4275, com o objetivo de que não fosse necessário a cirurgia para tal. A mencionada Adin foi julgada no ano de 2018 e o STF decidiu por maioria reconhecer o direito ao transgênero de alteração no registro civil independentemente de cirurgia prévia.

 Com a decisão, podem ser alterados nome, os agnomes indicativos de gênero (ex: filho, júnior, neto), o gênero em certidões de nascimento e/ou casamento (aqui neste último desde que autorizado pelo cônjuge).

Provimento 63/2018 do CNJ — A repercussão do julgamento da Adom foi importante inclusive para o Conselho Nacional de Justiça editar o Provimento nº 73/2018 que dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).

Essa evolução jurisprudencial é de extrema importância pois mais importante do que uma cirurgia, que diga-se de passagem é extremamente delicada e invasiva, o modo como o transexual se vê, como externa seu visual já mostra que o sexo é determinado de forma psicológica.

Na prática, qualquer pessoa maior de 18 anos, em pleno gozo de suas capacidades mentais poderá se dirigir até um cartório de registro civil de pessoas naturais, não sendo necessário a presença de um advogado.

O pedido pode ser realizado em qualquer cartório de registro civil ou diretamente no cartório de assento do seu nascimento.

A documentação necessária para a alteração é extensa, sendo basicamente necessário a apresentação de: Certidão de nascimento atualizada; Certidão de casamento atualizada, se for o caso; Cópia do RG; Cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso; Cópia do passaporte brasileiro, se for o caso; Cópia do CPF; Cópia do título de eleitor; Cópia de carteira de identidade social, se for o caso; Comprovante de endereço; Certidão do distribuidor cível (estadual/federal); Certidão do distribuidor criminal (estadual/federal); Certidão de execução criminal (estadual/federal); Certidão dos tabelionatos de protestos; Certidão da Justiça Eleitoral; Certidão da Justiça do Trabalho; Certidão da Justiça Militar, se for o caso.

O custo para alteração varia de cada Estado e em caso de impossibilidade de pagamento das custas, você pode solicitar diretamente no balcão do cartório a gratuidade através de uma declaração de hipossuficiência de próprio punho.

 

Carolini Cigolini Lando – Advogada de Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo

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