Opinião

Certificados de Recebíveis Educacionais são um jogo de ganha-ganha

Autores

  • Wesley Bento

    é advogado sócio do escritório Bento Muniz procurador do Distrito Federal pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em parceria Público-Privada e Concessões (Fesp-SP e FSE) e mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

  • Kenji Kanegae

    é advogado do escritório Bento Muniz Advocacia.

23 de junho de 2020, 16h14

No início do século XVIII, durante o ápice da Guerra de Independência da Grécia, os rebeldes gregos, já descrentes de sua vitória, careciam do suporte financeiro necessário para vencerem o Império Turco-otomano e se declararem independentes. Em meio a tamanha desesperança, eis que surgem os oportunos Títulos da Rebelião Grega, comercializáveis na Bolsa de Valores de Londres, os quais seriam pagos pelos gregos aos emissores, com juros de mora, se alcançassem a tão sonhada independência. Com o auxílio de outros países europeus, essa extraordinária invenção cambial foi um dos motivos determinantes para a independência da Grécia, após séculos de dominação turco-otomana [2].

Tempos extraordinários exigem não apenas soluções extraordinárias, mas também criativas. Nesse sentido, por que não fazer o mesmo com a educação privada, um dos segmentos mais afetados pela crise pandêmica, transformando a sua melhor (e talvez única) estratégia de guerra — as matrículas e, por consequência, as mensalidades em um ativo financeiro negociável na Bolsa de Valores?

É exatamente essa a proposta do Projeto de Lei nº 1.886/20, de autoria do senador Jorginho Mello, elaborado como uma das medidas para enfrentamento da crise da Covid-19, recentemente aprovado, no dia 20 de maio, por unanimidade no Senado (raríssima ocasião) e que agora está pendente de aprovação na Câmara dos Deputados. O PL nº1.886/20 cria e regulamenta os Certificados de Recebíveis Educacionais (CREs), títulos de crédito securitizados e representativos de promessas de pagamento de mensalidades escolares ou qualquer outro negócio relacionado a prestação de serviços educacionais, os quais transformam a simples matrícula em oportunidade negocial em renda fixa, proporcionando liquidez e financiamento de cursos de maior complexidade, por exemplo, ao tempo em que desafoga o endividamento setorial. É um jogo de ganha-ganha!

Para sua adequada elaboração, o PL nº 1.886/20 se serviu da experiência e dos frutos colhidos com os já conhecidos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), títulos de crédito que vêm rendendo excelentes resultados não somente para esses respectivos segmentos, mas também para os seus titulares.

Reduzindo-se à sua essência, a securitização de recebíveis nada mais é do que conversão de ativos financeiros, não raras as vezes ilíquidos, em valores mobiliários passíveis, não raro, de negociação na Bolsa de Valores através de uma companhia securitizadora, cuja função é comprar um determinado número desses ativos das instituições de ensino, padroniza-los e negociá-los por um preço maior do que comprou, evidentemente, conforme o artigo 3º do PL nº 1.886/20. Trocando em miúdos, enquanto a securitização é o procedimento de padronização dos créditos para futuras negociações, as companhias securitizadoras são as intermediárias de todo esse processo.

É uma prática comum, por exemplo, por grandes incorporadoras em contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta. Isto é, em vez de aguardarem até a entrega do imóvel para receberem o valor total do contrato, as incorporadoras securitizam o seu crédito lastreado no contrato e o transformam em CRIs que, por sua vez, serão comercializados para inúmeros investidores e fundos de investimento. Esses investidores, portanto, estarão financiando o segmento imobiliário, oportunizando o seu crescimento.

O mesmo ocorrerá com os Certificados de Recebíveis Educacionais, cuja emissão terá como lastro o próprio contrato celebrado entre a instituição de ensino e o aluno ou o seu responsável, instrumento que também servirá como garantia ao seu emissor, conforme o artigo 1º, §2º, I, do PL 1.886/20. Dessa forma, considerando-se que as mensalidades são, na realidade, as parcelas do valor total do contrato, as instituições de ensino não terão que aguardar a conclusão do ano/semestre letivo para receberem a quantia total avençada, podendo recebê-la logo após a celebração do contrato ou da realização da matrícula por meio da securitização dos créditos contratuais e, em seguida, a emissão de CREs.

E mais. Além de obterem liquidez imediata de seus créditos, transformando-os em pecúnia, o risco de inadimplência também é transferido para o titular do CRE. Ainda assim, muitos especialistas têm se revelado otimistas, pois, aliada à isenção de Imposto de Renda e IOF sobre toda a operação para emissão e comercialização do CRE (artigos 11 e 12 do PL nº 1.886/20), geralmente não é alto, em tempos normais, o risco de inadimplência do contrato lastreado, uma vez que os pais evitam ao máximo retirar os filhos das escolas e, portanto, tendem a estabelecer como prioridade o pagamento das mensalidades escolares [2]. Às companhias securitizadoras também foram instituídos elementos de segurança, como a possibilidade de instituir regime fiduciário sobre o lastro do CRE, assim como cessão fiduciária em garantia dos direitos creditórios aos adquirentes do título, conforme os artigos 4º e 6º do PL nº 1.886/20, respectivamente. Dessa forma, todas as partes do processo possuem certas garantias que minimizam o risco do negócio.

O prazo dos direitos creditórios do CRE, por sua vez, deve ser equivalente ao do contrato celebrado entre a instituição de ensino e o estudante (artigo 1º, §5º, PL nº 1.886/20), isto é, entre seis e 12 meses, período relativamente pequeno em relação aos CRIs e CRAs, cujos prazos podem variar entre três a 15 anos, o que atrai investidores e dilui os custos da operação de securitização. Entretanto, uma opção alternativa seria casar as operações de securitização, ano a ano, à medida que os alunos se rematriculem na mesma escola ou faculdade, o que geralmente é a sua preferência e de seus pais.

Finalmente, aos estudantes e pais cujos contratos de educação lastrearem os CREs, será facultada a prorrogação por três meses das datas de vencimento do pagamento das mensalidades enquanto durar a calamidade pública decorrente da Covid-19 (artigo 10), o que não poderá interferir na politica de descontos regulares ou bolsas de ensino concedidas pela instituição (artigo 1º, §4º).

Se se permite o refrão, é um jogo onde ganham as instituições de ensino, ganham os investidores e igualmente ganham os pais e alunos, desde que sua adoção venha acompanhada da responsabilidade redobrada das instituições de ensino com a gerência e controle de seus contratos, assim como o cumprimento de suas obrigações, uma vez que a securitização não é uma operação barata, tampouco simples.

E a instituição dos CREs vem em bom tempo. Além do setor educacional sofrer um sub-financiamento há anos, a medida visa, antes de mais nada, a "possibilitar ao sistema educacional privado, cujas aulas foram suspensas por causa da pandemia de Covid-19, enfrentar a crise econômica decorrente da paralisação das atividades escolares" [2], razão pela qual o BNDES poderá antecipar os recebíveis em até R$ 30 milhões para cada instituição de ensino superior durante o período da pandemia, independentemente do seu faturamento anual, conforme o artigo 13 da PL nº 1.886/20.

Essa antecipação beneficiaria, sobretudo, as instituições de ensino de pequeno porte, uma vez que o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (PESE), instituído pela MP nº 944/20 para financiar, através do Tesouro Nacional, a folha de pagamento das empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões, tão esperado fôlego e talvez o único para os empresários de pequeno porte, tem se revelado extremamente ineficaz. Passado mais de um mês de sua criação, dos R$ 40 bilhões estimados para repasse apenas R$ 1,6 bilhão o foi e, em sua maior parte, para as empresas de grande porte [4]. De acordo com o Ministério da Economia, "o crédito não chega à ponta" [5].

Para mais, de acordo com o Instituto Semesp, embora a maior parte das instituições privadas de ensino tenha mantido as suas aulas através do ensino a distância, em abril houve um crescimento de 72,4% na taxa de inadimplência das mensalidades nas faculdades em relação ao mesmo mês do ano passado. Em relação às instituições privadas de ensino fundamental, de acordo com o senador Dario Berger, presidente da Comissão de Educação do Senado, houve um aumento de mais de 93% nas taxas de inadimplência [6].

Por esses e outros motivos é urgente a aprovação e sanção do PL nº 1.886/20. Niall Fergusson, brilhante historiador economista, afirma que a securitização de créditos "marcou a aurora de uma nova era nas finanças americanas" e "transformou fundamentalmente Wall Street" [7]. Dessa forma, seriam os Certificados Recebíveis Educacionais uma nova era para o mercado financeiro da educação? A resposta só poderia ser afirmativa.

 


[1] HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. 50ª ed., 2020, Ed. L&PM, p. 337.

[7] FERGUSSON, Niall. A Ascensão do Dinheiro. Ed. Planeta, São Paulo, 2009, p. 243.

Autores

  • é advogado, procurador do Distrito Federal, sócio do escritório Bento Muniz Advocacia, pós-graduado pela PUC-SP e MBA em PPP e Concessões pela Fesp-SP e presidente do Conselho de Administração da DF Gestão de Ativos.

  • é advogado no escritório BENTO MUNIZ — Advocacia, em Brasília.

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