Inércia estatal

Ação indenizatória não prescreve se Estado não concluiu inquérito, decide TJ-RS

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23 de junho de 2020, 7h44

A contagem de prazo prescricional de uma ação judicial se dá a partir do conhecimento da violação, segundo a teoria da actio nata, consagrada na jurisprudência. Assim, não está prescrita uma pretensão indenizatória contra o estado se este, por seus agentes, ainda não concluiu o inquérito policial que visa a apurar a materialidade e a autoria de um delito.

Com este fundamento, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desconstituiu sentença que extinguiu uma ação indenizatória sob o argumento de que a apuração da responsabilidade estatal sobre três incêndios sequenciais, ocorridos na residência do autor, já não era mais possível, pois decorridos mais de cinco anos.

Omissão da polícia
O autor, que reside na cidade de Pelotas, na Metade Sul, ajuizou ação de responsabilidade civil por conduta omissiva do Estado do Rio Grande do Sul. É que o Estado, até então, não havia dado início a uma investigação que pudesse apontar a autoria dos três incêndios ocorridos no seu imóvel.

Na inicial, o autor explicou que a responsabilidade civil do Estado do RS não deriva propriamente dos incêndios, mas da ausência de adoção de medidas pertinentes para apurar a ocorrência de eventual autoria criminosa. Em síntese, é um caso típico de inércia da autoridade policial.

Prescrição consumada
O juiz Luís Antônio Saud Teles, da 6ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública da Comarca de Pelotas, entendeu que a ação estava "fulminada pela prescrição".

Afinal, os incêndios foram registrados em setembro de 2011 e fevereiro e outubro de 2012. E a ação indenizatória — cobrando danos morais e materiais por omissão do Estado — só foi ajuizada em agosto de 2019, quando já fluído o prazo de cinco anos.

Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação no TJ-RS para reformar a sentença. Arguiu que, apesar dos fatos terem ocorrido em 2011 e 2012, ainda está aguardando uma resposta da Polícia Civil, que investiga os incêndios. Então, não se poderia falar em prescrição do direito à indenização.

Apelação provida
O relator da apelação no TJ-RS, desembargador Marcelo Cezar Müller, deu razão à defesa da parte autora, por entender que o prazo extintivo do direito só começa a fluir a partir da ciência inequívoca do ato danoso, segundo o princípio actio nata.

Nas razões de decidir, Müller se alinhou ao parecer da procuradora de justiça com assento no colegiado, Maria de Fátima Dias Ávila. Para a representante do Ministério Público, o prazo prescricional quinquenal não tem outro termo inicial senão a partir do momento em que a autoridade policial apresenta o desfecho das investigações levadas a efeito, concluindo ou não pela existência de crime, indiciando ou não determinado suspeito.

Para Maria de Fátima, a documentação acostada aos autos não permite saber se a polícia levou adiante alguma investigação relacionada aos fatos. O certo é que, na véspera do Natal de 2012, o autor apresentou notícia-crime do incêndio, com base numa certidão emitida pelo Corpo de Bombeiros. Nesta, levantou a suspeita em torno da natureza criminosa dos eventos de incêndio.

"Nascimento" do direito
"Portanto, entende o Ministério Público que assiste razão ao apelante, na medida em que o prazo da actio nata não teve início no dia em que ocorrido o sinistro na propriedade do autor ao final de 2012, mas desde o momento em que a autoridade policial deveria providenciado o início e a conclusão das investigações, o que certamente haveria de acontecer muito após àqueles marcos", registrou o parecer.

O desembargador-relator observou, por outro lado, que a causa não está madura para julgamento, pois não houve contestação da parte ré nem foi aberta a instrução para oitiva e colheita de provas pelas partes litigantes.

"Diante da impossibilidade de julgamento imediato da lide na forma do art. 1.013, § 3º, do CPC, impõe-se a desconstituição da sentença, para o prosseguimento do feito", escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 28 de maio. Com isso, os autos foram remetidos ao juízo de origem para a retomada dos atos processuais.

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Processo 9005988-54.2019.8.21.0022 (Comarca de Pelotas)

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