Opinião

Implicações no pagamento da 'dobra' pelas empresas de petróleo e gás

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21 de junho de 2020, 15h17

No dia 19 de março deste ano, a Petrobras editou uma circular no sentido de estabelecer novas medidas em plataformas para prevenção da Covid-19 mediante a redução da circulação de pessoas, oportunidade na qual estabeleceu escala especial para as equipes que continuarão embarcando, aplicando isolamento prévio de sete dias em hotel e estendendo os dias de embarque para 21 dias a bordo e 14 de folga.

Contudo, a Lei 5.811/72, que trata especificamente do trabalho de empregados em atividades do setor de petróleo e gás, prevê que o empregado não pode realizar escala de revezamento superior a 15 dias, conforme se observa abaixo:

"Artigo 8º — O empregado não poderá permanecer em serviço, no regime de revezamento previsto para as situações especiais de que tratam as alíneas 'a' e 'b' do § 1º do artigo 2º, nem no regime estabelecido no artigo 5º, por período superior a 15 (quinze) dias consecutivos".

Ato contínuo, da referida lei se depreende que, em caso de necessidade operacional e/ou segurança industrial, a empresa somente poderia estender os dias a bordo do empregado se realizasse o pagamento em dobro dos dias em que o empregado permaneceu embarcado além dos 15 dias, o que é conhecido usualmente como "dobra", senão vejamos:

"Artigo 2º — Sempre que for imprescindível à continuidade operacional, o empregado será mantido em seu posto de trabalho em regime de revezamento.

(…)

§ 2º — Para garantir a normalidade das operações ou para atender a imperativos de segurança industrial, poderá ser exigida, mediante o pagamento previsto no item II do artigo 3º, a disponibilidade do empregado no local de trabalho ou nas suas proximidades, durante o intervalo destinado a repouso e alimentação.

Artigo 3º — Durante o período em que o empregado permanecer no regime de revezamento em turno de 8 (oito) horas, ser-lhe-ão assegurados os seguintes direitos:

(…)

II Pagamento em dobro da hora de repouso e alimentação suprimida nos termos do §2º do artigo 2º".

Portanto, como regra geral, a "dobra" deve ser paga pela empresa quando o empregado permanecer a bordo além dos dias de escala normal, posto que a legislação entende que as folgas do empregado foram suprimidas quando este continuou embarcado por mais tempo do que o originariamente pactuado.

Outrossim, na prática, geralmente o acordo coletivo, ora celebrado entre o sindicato da categoria profissional e a empresa, regulamentam os casos de pagamento de "dobra", de modo a indicar que para cada dia de embarque o empregado ganha dois dias de folga, os quais devem ser gozados ou pagos pela empresa.

Entretanto, considerando o advento da pandemia do coronavírus e a decretação de estado de calamidade pública, o governo federal editou a Medida Provisória nº 927/2020 para autorizar a utilização de medidas trabalhistas de enfrentamento, permitindo a flexibilização das relações de trabalho como forma de tentar garantir a manutenção dos empregos.

A partir disso, o artigo 2º da Medida Provisória 927/2020, transcrito abaixo, possibilitou às empresas, mediante celebração de acordo individual, pactuar que um período de embarque superior ao limite de 15 dias não gerará direito ao pagamento de "dobra", valendo essa disposição sobre a Lei 5.811/1972, bem como sobre eventual instrumento coletivo outrora celebrado.

"Artigo 2º  — Durante o estado de calamidade pública a que se refere o artigo 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição".

Embora as relações de trabalho regidas pela Lei 5.811/1972 não estejam expressamente previstas como hipótese de aplicação da medida provisória mencionada, certo é que não se afasta a possibilidade de celebração de acordo individual para esse caso, haja vista que os empregados do setor de óleo e gás possuem seus contratos de trabalho regulamentados sob a diretriz principal da CLT, sendo a Lei 5.811/72 apenas um instrumento utilizado para tratar das especificidades dos trabalhos executados na atividade petrolífera, sobre as quais a CLT, como conjunto de normas gerais, é omissa.

Portanto, conclui-se que a MP 927 é aplicável aos contratos de trabalho que são regidos pelas peculiaridades da Lei 5.811/72, bastando, para tanto, compatibilizar as disposições da medida provisória com a Lei dos Petroleiros, o que é plenamente possível quando se utiliza a celebração do acordo individual para atender medidas de segurança e saúde.

Nesse interim, como se trata de medida temporária, revela-se pouco razoável e excessivo exigir que as empresas realizem o pagamento de "dobra" a partir do 16º dia de embarque, quando a Medida Provisória 927/2020 busca justamente estabelecer alternativas para as empresas manterem seus empregados.

Por fim, é importante ter em mente que qualquer acordo que venha substituir a lei e/ou os acordos coletivos, embora excepcional nas circunstâncias, devem ser manejados por tempo determinado, enquanto permanecer a conjuntura de calamidade pública, devendo ser justificado e firmado um acordo individual escrito entre a empresa e o empregado.

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