Opinião

Acesso à Justiça do Trabalho em tempos de pandemia

Autores

  • Camila Gabriela Greber Caldas

    é juíza do Trabalho substituta no TTRT-9 presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 9ª Região (Amatra 9) — biênio 2018-2020.

  • Vanessa Karam de Chueiri Sanches

    é juíza titular do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR e integrante da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados e Magistradas do Trabalho (Anamatra).

20 de junho de 2020, 7h05

A preservação do pleno acesso à Justiça, assegurado no artigo 5º, XXXV, da Constituição, esteve presente na Consolidação das Leis do Trabalho desde a sua origem, nos termos do artigo 791, que estabelece que "os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final". O referido dispositivo legal assegura o que a doutrina e a jurisprudência chamam de ius postulandi, ou seja, a faculdade de qualquer das partes demandarem em juízo pessoalmente, independentemente de estarem representadas por procurador, devidamente constituído.

Nem mesmo a polêmica reforma trabalhista, implementada pela Lei 13.467/2017, que alterou diversos dispositivos da CLT, inclusive limitando às hipóteses de concessão do benefício da Justiça gratuita (artigo 790, §3º) e estabelecendo o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais (artigo 791-A), retirou a possibilidade de a parte buscar seus direitos ou contestá-los pessoalmente perante a Justiça do Trabalho.

Sem adentrar no mérito da constitucionalidade dos artigos da Lei 13.467/2017 e que, inclusive, já são objeto de questionamento através de ADI´s ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal, o fato é que, o “ius postulandi” permaneceu inalterado, como um dos princípios norteadores da Justiça do Trabalho.

Mas aí vem a inesperada Covid-19 e, da noite para o dia, as atividades presenciais em todos os ramos do Judiciário são suspensas e, a única forma de acesso e comunicação com a Justiça é através da utilização de meios tecnológicos, de modo a preservar o isolamento social.

Como forma de viabilizar a realização de atos que somente podem ser executados com a presença das partes, Magistrados, Desembargadores e Ministros, tal como audiências e sessões dos Tribunais, o CNJ disponibilizou o sistema Cisco Webex, ferramenta esta que propicia a criação de salas virtuais pelos magistrados para a realização dos atos acima mencionados.

Mas e o acesso à Justiça daqueles trabalhadores e tomadores de serviços ou empregadores que desejam buscar a Justiça pessoalmente, sem constituir procuradores, especialmente aqueles que sequer dispõe de recursos para os contratar fica evidentemente prejudicado neste período? Essas pessoas ficarão sem acesso, pela simples impossibilidade de comparecer ao balcão da Justiça do Trabalho para que a Secretaria da Vara reduza a termo as suas alegações?

Na prática, esta situação foi vivenciada na 4ª Vara do Trabalho de Curitiba. Parte, sem advogado, manifestou seu interesse em juntar contestação e documentos, mas não fazia ideia de como fazer isso, pois não haveria audiência inicial para que a defesa fosse apresentada oralmente e tampouco dispunha de acesso ao sistema PJe. Então, a fim de viabilizar o pleno acesso deste cidadão à Justiça, bem como o exercício do ius postulandi, foi designada uma sessão de atendimento via Cisco Webex Meetings, de modo a viabilizar a juntada da defesa e documentos pelo referido réu.

Verificou-se que o sistema Cisco Webex poderia servir não apenas para audiências e sessões, mas também para reuniões ou o equivalente ao atendimento às partes no balcão da secretaria da Vara, pois o sistema permite a recepção de arquivos e a secretaria só precisa, na sequência, certificar a juntada.

Essa experiência da 4ª Vara do Trabalho de Curitiba demonstra que a tecnologia e os ritos processuais oferecem instrumentos que não precisam ser uma trilha a ser cegamente seguida, mas podem ser ferramentas para abrirmos novos caminhos.

Vários são os desafios que esse período da pandemia da Covid-19 nos apresenta. Talvez o maior desses desafios, para os operadores do Direito, seja desaprender várias das lições aprendidas durante a graduação e aprender a trabalhar com a nova realidade que se impõe.

 Ritos e procedimentos não podem ser um fim em si mesmos. São instrumentos para a concretização de direitos e o momento exige que todos tenhamos a sensibilidade de perceber as necessidades próprias desse momento e utilizar todo esse instrumental à disposição do Poder Judiciário para efetivamente concretizar Direitos, e não para criar mais empecilhos.

E, para o dia seguinte, quando tudo isso passar, o novo desafio será refletir sobre as lições que aprendemos nesse período e ter a coragem de alterar os ritos e procedimentos que não mais fazem sentido nesse "novo normal".

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