Opinião

Acordo parcial com exclusão condicional de empresa subsidiária na Justiça do Trabalho

Autor

  • Francisco de Assis Barbosa Junior

    é juiz do Trabalho do TRT da 13ª Região pós-graduado em Direito do Trabalho mestre em História pela UFCG doutor em Direito pela Universidade do Minho — Portugal professor de graduação da Unifacisa e de pós-graduação do Unipe da Esmat 13 e da Unifacisa e autor de artigos capítulos e livros como "Gig Economy e Contrato de Emprego" "Contrato de Teletrabalho" e "Teletrabalho Transnacional: Normatização e Jurisdição".

19 de junho de 2020, 6h03

A busca pela conciliação judicial consubstancia-se num dos elementos centrais do Processo do Trabalho, havendo determinação expressa na CLT para que atuem os magistrados na construção de pactos entre os litigantes tanto no regramento do procedimento ordinário quanto no do sumaríssimo.

Os valores do acordo, as datas de seus pagamentos e encargos previdenciários são variáveis quase sempre presentes nas tratativas de pactuação, contudo, naturalmente não são as únicas, muitas vezes havendo outros pontos controvertidos com capacidade obstativa da conciliação final, a exemplo da responsabilidade do reclamado subsidiário (empresa tomadora de mão de obra terceirizada) quanto a quitação do montante acordado.

A terceirização de mão de obra ora encontra-se em expansão no mundo do trabalho, notadamente em face da decisão do STF que permitiu a utilização do instituto também nas atividades fins empresariais. Como corolário desse aumento, cada vez mais em reclamações trabalhistas figuram as empresas contratantes das terceirizadas, as quais aparecem nos autos como reclamadas subsidiárias.

Essa figura do responsável indireto nas terceirizações teve sua adoção expressa através da Lei nº 13.429/2017, contudo, já era largamente adotada mesmo antes dessa norma pela doutrina e jurisprudência laborais, onde se definia que deveria ela arcar com os custos do inadimplemento de verbas trabalhistas do fornecedor da mão de obra se desta tivesse feito uso.

Esse possível ônus financeiro costuma ensejar a resistência da empresa reclamada subsidiária em firmar uma conciliação judicial, fato muitas vezes impeditivo da pactuação em decorrência da natural insistência dos reclamantes na manutenção do seu encargo, vale dizer, para que fique aquela reclamada obrigada a pagar verbas eventualmente acordadas e não quitadas pela reclamada principal (empresa de terceirização).

Uma maneira de contornar esta situação é a confecção de um acordo parcial nos autos, onde, num primeiro momento, não haja a inclusão da tomadora de mão de obra no pacto judicial, podendo haver sua responsabilização subsidiária posterior quando de eventual reabertura da instrução processual em decorrência do descumprimento da conciliação pela empregadora direta.

Conciliação Judicial
Os órgãos jurisdicionais de primeira instância da Justiça do Trabalho eram denominados Juntas de Conciliação e Julgamento até a Emenda Constitucional nº 24, de 9 de dezembro de 1999. Não obstante, a alteração da nomenclatura para Vara do Trabalho decorreu da extinção da figura do juiz classista, em nada se relacionando com o elemento "conciliação", o qual continua no cerne da atuação do Judiciário laboral, na forma aventada.

A premência de um acordo no universo laboral justifica-se pelo caráter alimentar da maioria absoluta dos títulos objeto das lides trabalhistas, devendo o mesmo ser proposto pelo magistrado ao menos duas vezes, no início e término da instrução processual, quando o rito processual for o ordinário (artigos 846 e 850 da CLT), e em qualquer das fase da audiência quando for o sumaríssimo (artigo 852-E celetista).

Caso aceita a conciliação pelos litigantes, dispõe o parágrafo único do artigo 831 consolidado valer o termo de audiência com a homologação judicial do pacto como decisão irrecorrível, sendo emprestado ao mesmo, por conseguinte, força de sentença com trânsito em julgado.

Responsabilidade Subsidiária
A responsabilização subsidiária da empresa tomadora de serviços no contrato de terceirização de mão de obra foi consagrada inicialmente pela doutrina e jurisprudência trabalhistas, em que o instituto em tela já era amplamente aceito, nos termos da súmula nº 331, IV, do TST.

O caminho traçado no particular mostra-se correto, pois totalmente condizente com os termos do artigo 455 da CLT, o qual dispõe: "Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro". Isso posto, temos que a aplicação analógica no particular mostra-se um mister, pois visou o texto celetista a proteger os empregados de subempreiteiros sem idoneidade financeira, permitindo aos mesmos o ajuizamento de ação contra o empreiteiro principal.

No caso, com relação aos terceirizados, a demanda protetiva apresenta-se de forma idêntica, pois age a tomadora de serviços como verdadeira empreiteira principal, correndo os riscos de seu proceder inclusive quanto aos atos da empresa fornecedora de mão de obra, tudo em consonância com os ditames do Título IX, Capítulo I, do Código Civil, notadamente na parte concernente às culpas in eligendo e in vigilando.

As linhas judiciária e doutrinária em estudo foram adotadas pelo legislador pátrio, o qual, através da Lei nº 13.429/2017, alterou o artigo 10 da Lei nº 6.019/1974, cujo §7º passou a dispor: "A contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário…". Dessa arte, foi expressamente acolhida em lei a responsabilização subsidiária no universo da terceirização.

Julgamento Parcial
Os artigos 354, parágrafo único e 356 do CPC permitem ao juiz decidir a lide apenas parcialmente, continuando a instrução processual quanto ao restante das questões postas em juízo.

Destacamos admitir o inciso I do mencionado artigo 356 o julgamento parcial quanto à parte incontroversa do feito, dispositivo este que não encontra barreiras para aplicação no Processo do Trabalho, pois preenche os requisitos descritos no artigo 769 da CLT, notadamente concernentes à compatibilidade com os princípios do mesmo e ao silêncio da legislação processual laboral.

Acordo parcial
A composição de uma lide quando em seu polo passivo haja a presença, além da reclamada principal, da subsidiária, mostra-se em regra bem mais complexa que quando de sua ausência. As dificuldades aqui decorrem da natural recusa preliminar das empresas contratantes das fornecedoras de mão de obra em assumir eventuais débitos destas, o que ocorreria de forma automática caso firmada a conciliação com sua responsabilização pelo pagamento dos valores acordados em caso de inadimplemento por parte das mesmas.

Já os reclamantes não costumam aceitar a exclusão das empresas tomadoras de serviços por temerem uma longa execução contra as terceirizadas, suas contratantes diretas, decorrente de seu possível descumprimento do pacto firmado. No caso, a segurança da "fiança" das reclamadas subsidiárias finda por impedir um acordo no qual estas não sejam responsabilizadas de alguma forma pela sua quitação.

O impasse narrado pode ser resolvido através da aplicação conjunta dos artigos 831, parágrafo único da CLT e 356, I do CPC. O primeiro dispositivo, na forma narrada, confere à homologação judicial de acordo força de sentença (inclusive revestida pelo manto da coisa julgada), já o segundo permite o julgamento apenas parcial do feito.

Dito isso, temos que nos dispositivos mencionados há plena permissão legal para o magistrado homologar apenas um acordo entre o reclamante e a empresa reclamada principal, terceirizada, excluindo do mesmo a subsidiária, contudo, não a isentando de responsabilidade nos autos. Haveria aqui o equivalente a um julgamento parcial da lide, relacionado com o débito da empresa acordante, nada versando a decisão sobre a existência, ou não, da responsabilidade subsidiária da outra reclamada.

A sistemática de julgamento do CPC no particular apenas se afastaria da acima narrada quanto ao restante da instrução processual, imediata naquela e suspensa nesta, pois aqui ficaria sob uma condição suspensiva, apenas sendo deflagrada no caso de eventual inadimplemento da empresa acordante. Inexistente esse descumprimento, não existiria a outra parte da instrução por perda de objeto.

Na hipótese da existência dessa instrução complementar, ela apenas versaria sobre a real presença de responsabilidade subsidiária da reclamada que não aceitou participar do pacto judicial, ou mesmo acerca de algum outro ponto não devidamente esclarecido contrário a si, tornando, assim, os autos aptos para julgamento do restante do feito. Aqui não mais seria aberta oportunidade de defesa para a reclamada principal, pois a fase instrutória, para a mesma, teve fim com a homologação judicial do acordo com força sentencial.

No caso, a citada máxima conciliatória da Justiça do Trabalho restaria plenamente prestigiada com o acordo parcial e a composição firmada entre os litigantes principais. Noutra linha, ficariam resguardados o princípio material da proteção, com a não exclusão da reclamada subsidiária, e o processual da celeridade, através da homologação do pacto ainda antes da sentença. Mesmo na hipótese de reabertura instrutória não haveria mácula à máxima da rápida resolução da lide, já que a perda temporal seria mínima ou nenhuma em face da prova documental já estar produzida, restando a se realizar, quando muito, uma audiência para a produção de prova oral.

A reclamada principal, empresa de terceirização de mão de obra, não pode alegar qualquer nulidade com a pactuação ora proposta, a uma, porque com ela vai ter concordado, a duas, porque é a devedora principal, sendo seu a priori o ônus de sanar sua dívida acordada em juízo, não podendo, por conseguinte, sentir-se prejudicada pelo fato de não haver um terceiro dando a ela fiança.

Igualmente não há qualquer prejuízo material para a empresa tomadora de mão de obra, reclamada subsidiária, pois sua eventual condenação, se for o caso, ocorreria em qualquer das duas hipóteses, na tramitação normal do feito (sem o acordo parcial), ou após a reabertura da instrução.

No campo processual igualmente não procede qualquer irresignação empresarial, pois tem ela a oportunidade de apresentação de contestação e documentos após sua notificação inicial. Por outro lado, eventual prova oral que pretenda ser produzida em juízo o pode ser quando da audiência a ocorrer caso haja a reabertura da instrução, ou mesmo antes desta (caso entenda a mesma urgente), na própria audiência onde ocorreu a conciliação.

Por fim, para o reclamante haveria o natural ganho na celeridade processual, assim como a garantia de manutenção no polo passivo das reclamadas, sem qualquer exclusão prévia da subsidiária.

Conclusões
As relações envolvendo a terceirização de mão de obra assumem uma dimensão cada vez mais vultosa após a permissão de sua adoção nas atividades fins das empresas dada pelo STF, assim como a nova legislação concernente surgida com a Lei nº 13.429/2017, ensejando, por conseguinte, um maior número de reclamações na Justiça do Trabalho envolvendo-as.

Considerando não ser interesse das empresas tomadoras de mão de obra a assunção, via acordo judicial, da responsabilidade subsidiária por valores acordados entre as empresas terceirizadas e os obreiros, podem os magistrados do Trabalho proceder uma homologação parcial do pacto excluindo-as dele, porém não as isentando totalmente da dívida.

Caso descumprido o acordo, poderá ser determinada a reabertura da instrução para, ao final, se proceder o julgamento do restante da lide relativo a condenação, ou não, da responsável indireta de forma subsidiária.

 

Referências:

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452/1943. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-Lei/del5452.htm>. Acesso em 9 de junho de 2020.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/l13105.htm. Acesso em 9 de junho de 2020.

BRASIL. Lei nº 13.429/2017. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13640.htm>. Acesso em 9 de junho de 2020.

 

Autores

  • Brave

    é juiz do Trabalho do TRT da 13ª Região, pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Potiguar, mestre em História pela Universidade Federal de Campina Grande (PB), doutor em Direito pela Universidade do Minho (Portugal), professor do curso de Direito da UNIFACISA, professor de Pós-Graduação do UNIPE, da ESMAT 13 e da UNIFACISA, autor de artigos, capítulos de livros e de livros como Gig Economy e Contrato de Emprego, Contrato de Teletrabalho e Teletrabalho Transnacional: Normatização e Jurisdição.

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