Opinião

MP 936 é uma providência necessária e proporcional em época de Covid-19

Autor

  • Leonardo Vizeu Figueiredo

    é procurador federal presidente da Comissão Permanente Processante da 2ª Região chefe do Núcleo Disciplinar da 2ª Região especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá e em Direito do Estado pelo Universidade do Estado do Rio de Janeiro mestre em Direito pela Universidade Gama Filho e doutor em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

18 de junho de 2020, 13h15

Face à crise decorrente das medidas de confinamento adotadas em virtude da pandemia da Covid-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde, o governo federal da República Federativa do Brasil editou uma série de atos e normas para profilaxia e enfrentamento da mesma [1]. Diversas dessas medidas são objeto de críticas e questionamento quanto à sua compatibilidade material com a Constituição Federal. Entre os atos que têm sua juridicidade posta em dúvida está o artigo 11, §4º, da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020 [2], mormente em face às disposições contidas no artigo 7º, VI e XIII, da Lei Maior [3].

A questão foi judicializada, sendo objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.363, de autoria do Partido Rede Sustentabilidade, que pede, entre outros pleitos, a declaração de inconstitucionalidade do referido artigo 11, §4º. Isso porque, segundo a fundamentação exposta na Adin em questão, as disposições do artigo 11, §4º, da MP nº 936/2020 suprimem a participação obrigatória das entidades sindicais, mediante estabelecimento prévio de negociação ou acordo coletivo para tanto, permitindo, assim, redução de salário e jornada de trabalho fora das hipóteses constitucionalmente previstas.

Para uma correta exegese das disposições normativas constitucionais e infraconstitucionais sub examine, há que se valer dos métodos de hermenêutica autêntica e teleológica, valendo-se, ainda e a posteriori, de uma análise consequencialista.

Conforme análise dos anais do Congresso Nacional, que registrou os debates em torno do Congresso Constituinte de 1986 a 1988 [4], as normas protetivas do artigo 7º, VI e XIII, da Constituição da República, que condicionam eventual redução salarial ou de jornada de trabalho à prévia negociação ou acordo coletivo com participação sindical, tiveram como ratio eventual situação de crise pontual e específica a determinado segmento da economia brasileira. Assim, não houve por parte do legislador constituinte, à época, a visualização da possibilidade da existência de uma crise generalizada que atingisse, concomitantemente, a todos os setores da economia brasileira.

Por sua vez, a finalidade da irredutibilidade salarial e da proteção à jornada de trabalho é a preservação do poder aquisitivo do trabalhador, tendo como valor maior a conservação de seu sustento que, inexoravelmente, perpassa pela manutenção de seu trabalho.

Observe-se que as regras constitucionais do artigo 7º, VI e XIII, conforme já visto, visam à preservação do sustento do trabalhador, que se traduzem na proteção de sua renda e de seu trabalho, diante de uma situação específica de crise pontual em determinado setor da economia. Assim, diante de uma situação de crise econômica específica e pontual, entendeu por bem o legislador constituinte originário colocar a participação da entidade sindical como condição sine qua non para se adotar medidas de redução de renda e de expediente para se preservar o sustento individual do trabalhador, a saber, conservar o seu emprego.

Todavia, a pandemia mundial da Covid-19 trouxe, como dano colateral decorrente das políticas de confinamento, uma crise econômica generalizada em praticamente todos os setores da economia, mormente os segmentos de varejo, prestação de serviços e turismo. Portanto, a perguntas que devem ser feitas são: I) A norma do artigo 11, §4º, da Medida Provisória nº 936/2020, mitigadora das garantias constitucionais do artigo 7º, VI e XIII, traduzem-se em medidas razoáveis diante do cenário de crise de saúde e de crise econômica? 2) Seria razoável exigir a participação prévia das entidades sindicais para adoção de medidas de preservação de empregos, mediante redução de renda e de expediente no período de pandemia?

Em relação ao primeiro questionamento, tendo-se em mente que o artigo 7º, VI e XIII, traduz-se em norma constitucional de eficácia contida e aplicabilidade imediata, de acordo com os critérios de classificação proposto e consagrado por José Afonso da Silva [5], a mesma é passível de restrição em seu campo de aplicação por ato infraconstitucional. Por óbvio, a regra do artigo 11, §4º, da MP nº 936/2020, em épocas de crise generalizada na saúde e na economia, traduz-se em medida necessária e profilática para preservação do sustento do trabalhador, mediante conservação de seu emprego, ainda que às custas da redução temporária de sua renda e de seu expediente diário.

No que se refere ao segundo questionamento, em se considerando que o Brasil conta com um total de 11.753 sindicatos de trabalhadores e um total de 5.354 sindicatos de empregadores, conforme dados do Ministério do Trabalho [6], exigir a celebração de negociação coletiva, que depende, não raro, de inúmeras rodadas de debate para conclusão, para operacionalizar medidas de preservação de empregos e sustento, é praticamente ignorar o caráter emergencial da crise, que pede medidas de eficácia imediata para garantir seus resultados práticos e almejados.

Ante o breve raciocínio desenvolvido, a regra do artigo 11, §4º, da Medida Provisória nº 936/2020, no sentido de excepcionar as previsões do artigo 7º, VI e XIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, traduz-se em providência mitigadora razoável, necessária e proporcional em época de pandemia mundial da Covid-19. Portanto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.363, de autoria do Partido Rede Sustentabilidade, deverá, salvo melhor juízo, ser julgada improcedente no mérito, seguindo a linha que já foi adotada por ocasião do indeferimento de sua liminar [7].

 


[2] "Artigo 11 — As medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observado o disposto no artigo 7º, no artigo 8º e no § 1º deste artigo. (…) § 4º Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração".

[3] "Artigo 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; (…) XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".

[4] Prefere-se à utilização do termo Congresso Constituinte à Assembleia Constituinte para se referir ao período de 1986 a 1988, uma vez que não houve eleição específica para deputados constituintes, havendo, nos termos da Emenda Constitucional nº 26, de 1985, conversão do Congresso eleito para legislação ordinária em órgão constituinte.

[5] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 261-262.

[7] Vide: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5886604, consulta realizada em 11/6/2020, às 14h.

Autores

  • é procurador federal, presidente da Comissão de Direito Econômico da OAB-RJ, especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá e em Direito do Estado pelo Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Universidade Gama Filho e doutor em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

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