Direto do Carf

Carf analisa IRRF sobre juros de remessas de pré-pagamento de exportação

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

17 de junho de 2020, 8h02

Nesta semana, serão analisados os precedentes do Carf sobre a tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas de juros relativas a pré-pagamento de exportação.

Spacca
Aliomar Baleeiro destaca que o tributo pode ser usado tanto para arrecadação de recursos para os entes estatais quanto para possibilitar a intervenção do Estado na vida dos indivíduos e das organizações, sendo que no último caso fala-se a finalidade assume aspecto extrafiscal regulatório ou de "poder de polícia" do Estado, sendo que a política financeira leva em conta os efeitos extrafiscais dos tributos e os utiliza conscientemente para determinados objetivos que reputa convenientes à sociedade [1].

A desoneração tributária das exportações é parte da política fiscal do governo, que abre mão de uma arrecadação que seria possível em nome do ingresso de divisas no Brasil, cujo resultado indireto pode ser o desenvolvimento econômico do país. Como parte da desoneração das exportações, surge a desoneração do IRRF relativo aos juros pagos em decorrência das exportações.

Nesse sentido, a desoneração do IRRF se inicia com a publicação do Decreto nº 815/69 [2], que estabeleceu a não tributação por tal tributo por exportadores com relação aos juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação devidamente autorizados pelo Banco Central do Brasil e cuja liquidação se processe com produto da exportação.

Destaque-se que inexistia qualquer condicionante no caso de juros de desconto de cambiais de exportação, ao passo que o único requisito para os juros e comissões obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação é que ocorresse a liquidação do produto da exportação, isto é, ocorresse a efetiva exportação.

Embora o referido dispositivo tenha sofrido alterações legislativas, o conteúdo do comando legal da norma não foi alterado, quer seja pela Lei nº 7.450/85 [3] ou pela Lei nº 9.481/97 [4].

Desse modo, a legislação não traz qualquer determinação legal relativa à destinação dos recursos do financiamento, remetendo tal regulamentação ao Ministério da Fazenda.

Nessa linha, a Portaria MF 70/97 somente impõe como requisito para fruição da alíquota zero que os recursos sejam comprovadamente aplicados no financiamento das exportações mediante a comprovação das referidas exportações, o que é feito pelos bancos [5].

Cumpre salientar que tal comprovação é de competência dos bancos e não do exportador. Tal entendimento consta expressamente inclusive no artigo 12 da Instrução Normativa RFB nº 1.455/14 [6].

Como decorrência de todo o exposto, a única obrigação a ser cumprida pelo exportador para fruição da alíquota zero relativa ao IRRF sobre o pagamento de juros sobre o financiamento de exportações é efetivamente exportar as mercadorias.

No mesmo sentido é a legislação do Banco Central, conforme se depreende da Carta-Circular BACEN 2.624/96 [7], da Resolução BACEN 3.844/10 [8] e da Circular BACEN 2.751/97 [9].

Assim, as normas do Banco Central dispõem que o relevante é que os financiamentos de exportações sejam quitados por meio de exportações, bem como determinam que a comprovação da aplicação dos créditos obtidos no exterior no financiamento à exportação cabe aos bancos.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2201-002.583 (04/11/14), negou-se, por unanimidade, provimento ao recurso de ofício.

A fiscalização entendeu que os créditos tomados no exterior não foram usados para o financiamento de exportações, mas para cobrir fluxo de caixa das operações nacionais do contribuinte em virtude de dificuldade de caixa derivada da obrigação de realização de oferta pública para fechamento de capital.

Contudo, preponderou tanto na DRJ quanto no Carf o entendimento de que os recursos emprestados foram utilizados para financiamento da exportação, não restando comprovado que os recursos foram desviados para as atividades do contribuinte destinadas ao mercado interno.

No Acórdão 9202-003.487 (10/12/14), entendeu-se, por maioria de votos, que os créditos tomados no exterior não foram utilizados para financiamento da exportação, uma vez que parte dos recursos financiados foram usados para mútuos intercompany.

Por mais que a alegação do contribuinte de que os recursos repassados para outra pessoa jurídica do grupo foram utilizados para exportação de produtos por esta outra empresa tenha sido acatada no Acórdão 3401-00.086 (26/2/11), prolatado pela Turma Ordinária, tal entendimento não preponderou na Câmara Superior, em que a maioria da turma entendeu que não houve comprovação nos autos de que os recursos foram utilizados para financiamento da exportação, uma vez que havia descasamento entre o momento da internalização dos recursos e as datas de embarques.

Por fim, no Acórdão 2301-005.841 (13/02/19) entendeu-se, por maioria de votos, que estava comprovado que o crédito tomado no exterior se destinou ao pré-pagamento de exportação, de forma que se aplica a alíquota zero de IRRF sobre as remessas de juros relativas a tal crédito.

No caso em tela, a fiscalização manifestava o entendimento de que o financiamento à exportação somente alcançaria a captação de recursos para a aquisição de matérias-primas, não alcançando o financiamento da planta industrial da recorrente.

Todavia, a turma entendeu que tal requisito não tinha previsão em qualquer norma, assim como foi ponderado que a atividade da recorrente diz respeito à extração e ao processamento de minérios, de modo que não haveria uma matéria-prima em uma atividade puramente extrativa.

Assim, foi levado em consideração que grande parte dos gastos de uma indústria mineradora está relacionada à construção de sua planta industrial, onde o minério extraído será processado, sendo que uma das despesas mais significativas de uma indústria mineradora é a despesa com exaustão, que nada mais é do que o reconhecimento do minério que foi extraído daquela mina.

Diante de tal cenário, ainda que os recursos oriundos do financiamento sejam utilizados para construção da planta industrial, praticamente todo o produto dela se destina para a exportação, o que pode ser comprovado por uma série de obrigações acessórias que demonstram as exportações, como declarações de exportação, notas fiscais, declarações tributárias.

Em resumo, tendo em vista que não houve comprovação pelas autoridades fiscais de que que não houve exportação efetiva e que não houve descumprimento de nenhum dos requisitos previstos nas legislações tributária e cambial para fruição da isenção da alíquota de IRRF, a turma decidiu, por maioria, exonerar o crédito tributário.

Diante do exposto, nota-se que a comprovação de efetividade das exportações tem sido o principal fator para aplicação ou não da alíquota zero de IRRF sobre as remessas a títulos de juros pagos ao exterior em decorrência de pré-pagamento de exportação.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[1] BALEEIRO, Aliomar. Cinco Aulas de Finanças e Política Fiscal. 2ª ed. São Paulo: José Bushatsky, 1976. pp. 30-31

[2] Decreto nº 815/69: "Artigo 1º  Não sofrerão desconto do impôsto de renda na fonte quando pagos por exportadores de quaisquer produtos nacionais e decorrentes da exportação:

a) as comissões, aos seus agentes no estrangeiro;

b) os juros de desconto, no exterior, de cambiais de exportação e as comissões de banqueiros inerentes a essas cambiais;

c) os juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação devidamente autorizados pelo Banco Central do Brasil e cuja liqüidação se processe com produto da exportação".

[3] Lei 7.450/85: "Artigo 87 O artigo 1º do Decreto-lei nº 815, de 4 de setembro de 1969, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 1.139, de 21 de dezembro de 1970, passa a vigorar com a seguinte alteração:

'Artigo 1º Não sofrerão desconto do imposto de renda na fonte, quando decorrentes de exportação brasileira, nas condições, formas e prazos estabelecidos pelo Ministro da Fazenda:

c) os juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao financiamento de exportações'.".

[4] Lei 9.481/97: "Artigo 1º — A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses: (…)

X juros de desconto, no exterior, de cambiais de exportação e as comissões de banqueiros inerentes a essas cambiais;

XI juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao financiamento de exportações.

§1º  Nos casos dos incisos (…) e XI, deverão ser observadas as condições, formas e prazos estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda”.

[5] Portaria MF 70/97: "Artigo 1º — Para efeito do benefício da alíquota zero do imposto de renda incidente nas remessas para beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, nas hipóteses dos incisos II, III, IV, VIII, X e XI do artigo 1º da Medida Provisória nº 1.563, de 1996, devem ser atendidos os seguintes requisitos: (…)

V nos pagamentos de juros de desconto, no exterior, de cambiais de exportação e as comissões de banqueiros inerentes a essas cambiais, bem assim de juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao financiamento de exportações: tenham sido os recursos, comprovadamente, aplicados no financiamento de exportações brasileiras.

§2º — A comprovação a que se refere o inciso V, pelo banco autorizado a operar em câmbio, será efetuada mediante confronto dos pertinentes saldos contábeis globais diários, observadas normas específicas, expedidas pelo Banco Central do Brasil".

[6] Instrução Normativa RFB nº 1.455/14: "Artigo 12  Sujeitam-se ao imposto sobre a renda na fonte, à alíquota zero, os juros e comissões, relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao financiamento de exportações, recebidos de fontes situadas no Brasil, por pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, inclusive em país com tributação favorecida, na hipótese de pagamento, crédito, emprego, entrega ou remessa desses rendimentos.

§1º  Para efeito do disposto no caput, a remessa será efetuada pela instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, mediante comprovação da regularidade tributária e da legalidade e fundamentação econômica da operação.

§2º  Cabe à instituição interveniente verificar o cumprimento das condições referidas no § 1º, mantendo a documentação arquivada na forma das instruções expedidas pelo Banco Central do Brasil.

§3 º A redução a zero da alíquota do imposto sobre a renda prevista no caput é condicionada a que as importâncias pagas, creditadas, empregadas, entregues ou remetidas, por fonte domiciliada no País, a pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, destinem-se, efetivamente, ao financiamento de exportações, conforme dispõe o inciso VII do caput do artigo 1º do Decreto nº 6.761, de 2009.

§4º  A comprovação da operação referida no caput pela instituição autorizada a operar no mercado de câmbio será efetuada mediante confronto dos pertinentes saldos contábeis globais diários, observadas as normas específicas expedidas pelo Banco Central do Brasil".

[7] Carta-Circular BACEN 2.624/96: "IV as amortizações do principal dar-se-ão mediante embarques de mercadorias, sendo os juros liquidados por meio de remessas financeiras ou com as exportações, contados a partir do ingresso dos recursos no pais e calculados sobre o saldo devedor do financiamento, não podendo ter periodicidade inferior a 01 (um) mês, quando utilizada remessa financeira".

[8] Resolução BACEN 3.844/10: "Artigo 16  A operação de recebimento antecipado de exportação com prazo superior a 360 (trezentos e sessenta) dias pode ser vinculada a exportação do tomador do financiamento, de sua controladora, de suas controladas, ou de empresas que sejam controladas por sua controladora.

Artigo 17  A amortização das operações de que trata esta seção deve ser efetuada mediante o embarque das mercadorias ou a prestação de serviços, podendo os juros ser pagos por meio de transferências financeiras ou de exportações".

[9] Circular BACEN 2751/97: "Artigo 1º — Para efeito de comprovação da aplicação de créditos obtidos no exterior no financiamento de exportações brasileiras, de modo a fazer jus à redução a zero da alíquota do imposto de renda na fonte prevista no artigo 1º da Medida Provisória nº 1.563, de 31.12.96, os bancos autorizados a operar em câmbio devem utilizar o formulário de modelo anexo (…)

§1º  Os contratos de câmbio com prazos para entrega de documentos ou para liquidação vencidos não são computados para os fins e efeitos do disposto neste artigo.

Artigo 2º — A base de cálculo do imposto é obtida mediante a aplicação da taxa de juros mais elevada dentre aquelas vigorantes, no dia, para o conjunto de obrigações por créditos em moedas estrangeiras obtidos no exterior, para o financiamento de exportações, sobre o valor diário não aplicado nessa finalidade".

Autores

  • é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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