Opinião

Competência do TCU para desconsiderar personalidade jurídica trará insegurança

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17 de junho de 2020, 16h15

O Plenário do Supremo Tribunal Federal enfrentará, na próxima semana, um tema relevantíssimo e inédito no colegiado: se o Tribunal de Contas da União pode desconsiderar a personalidade jurídica de empresas privadas com o objetivo de que suas decisões atinjam diretamente os sócios, acionistas ou administradores das pessoas jurídicas.

Na ação, a Corte Suprema decidirá não somente se estende uma vez mais as competências do TCU, mas também se dará um passo em direção à ampliação da insegurança jurídica vivida pelas empresas, que já enfrentam mares de imprevisibilidade durante as atuais crises econômica e sanitária que atingem o país.

O tema chegou ao STF pela primeira vez ainda em 2013, por meio do Mandado de Segurança nº 32.494, que, à época, impetramos na defesa dos interesses de empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada pela corte de contas. Com base na chamada "teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica", o TCU havia estendido a sanção administrativa que sujeitava uma empresa para outra empresa, em razão de vínculos de parentesco existentes entre os sócios das duas pessoas jurídicas. Na ocasião, o ministro Celso de Mello deferiu o pedido liminar e suspendeu a decisão do TCU, porém o caso ainda não foi submetido a julgamento colegiado.

Agora, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, vai ao Plenário o Mandado de Segurança nº 35.506, que também teve medida liminar deferida. A ação debate se o TCU dispõe de competência para decretar a indisponibilidade dos bens de empresas e para desconsiderar sua personalidade jurídica, de modo a atingir o patrimônio dos sócios.

A desconsideração da personalidade jurídica está disciplinada pelo artigo 50 do Código Civil, como medida excepcionalíssima, a ser decretada exclusivamente pelo Poder Judiciário e apenas "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial".

O fato inarredável é que não existe no ordenamento jurídico nenhuma regra que atribua ao Tribunal de Contas competência para desconsiderar a personalidade jurídica de empresas. E não há, justamente, porque a existência das empresas, como figuras autônomas em relação aos seus sócios, acionistas ou administradores, configura elemento central do capitalismo moderno.

Em nome da segurança jurídica e da proteção aos investimentos, a autonomia da pessoa jurídica deve ser preservada ao máximo. Por isso, como mecanismo para se resguardar o princípio constitucional da livre iniciativa, a desconsideração da personalidade jurídica apenas pode ser determinada por decisão judicial (cláusula constitucional da reserva de jurisdição).

O TCU, por outro lado, é um tribunal administrativo. E suas decisões não podem interferir direta e automaticamente no patrimônio jurídico de pessoas e de empresas. Tanto é assim que, de acordo com o artigo 24 da Lei nº 8.443/1992, as decisões condenatórias da corte de contas devem ser executadas por intermédio do Poder Judiciário, no âmbito de ação promovida pela Advocacia-Geral da União.

Se não dispõe de competência legal para invadir o patrimônio de particulares e para forçar o cumprimento de suas próprias decisões, parece evidente que o TCU igualmente não dispõe de competência para desconsiderar a personalidade jurídica de empresas, de modo a atingir o patrimônio jurídico de sócios, acionistas ou administradores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Essa conclusão em nada embaraça o exercício do controle externo pelo Tribunal de Contas. Na hipótese de verificar a presença dos requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica, o TCU poderá solicitar à AGU que submeta o pedido de desconsideração ao crivo do Poder Judiciário.

Competências são determinadas, pela Constituição e pelas leis, para que cada agente público exerça suas atribuições de acordo com limites predeterminados pelo Poder Legislativo. Por isso, a competência representa o limite democrático ao exercício do poder. Seu regular exercício propicia segurança jurídica, promove a estabilidade nas relações sociais e protege cidadãos e empresas de atos arbitrários.
Ao desconsiderar a personalidade jurídica de empresas sem deter competência para tanto, o Tribunal de Contas introduz mais um fator de imprevisibilidade no já tão conturbado ambiente de investimentos do país. Daí a importância do julgamento que o Supremo Tribunal Federal realizará nos próximos dias.

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